O presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto, disse ter certeza que seu sucessor “vai ter proximidade com o governo atual”, mas que espera que essa pessoa “não seja julgada por isso”. O mandato de Campos Neto termina em 31 de dezembro de 2024 e a indicação do nome para o substituir cabe ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Eu espero que a pessoa que venha me suceder aqui não seja julgada nem pela cor da camisa com a qual ela votou, nem pelas reuniões que fez, nem pelos jantares que fez, e, sim, pelas decisões técnicas que tomou”, declarou em entrevista ao jornal O Globo publicada nesta 3ª feira (20.ago.2024). “Eu tenho certeza de que ela vai passar pela mesma coisa que eu passei. Porque no mundo polarizado isso tende a acontecer”, acrescentou.
Roberto Campos Neto assumiu o comando do Banco Central em 28 de fevereiro de 2019, indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e com apoio do ex-ministro da Economia Paulo Guedes. Em 2021, o Congresso aprovou e o governo sancionou o projeto de autonomia operacional da autoridade monetária.
Ele foi amplamente criticado por Lula e aliados do presidente, que o viam como adversário político e defensor do governo Bolsonaro. As principais reclamações foram em relação ao patamar da taxa básica, a Selic.
“É impossível você estar no Banco Central e não ter proximidade com o governo ou com alguns agentes políticos. Porque precisa do governo e dos agentes políticos para fazer seus projetos”, disse Campos Neto. “Agora, ter proximidade não significa que você vai perder a sua autonomia, não significa que você vai tomar decisões que não são técnicas”, completou.
Campos Neto afirmou que sua relação com Gabriel Galípolo e Paulo Picchetti, diretores do BC indicados por Lula, é “excelente”. Ele declarou: “O Paulo é uma pessoa espetacular. Tenho certeza de que quando eu sair daqui a gente vai ser muito amigo. Muito técnico, a gente discute bastante. O Gabriel é uma pessoa que eu sou bastante próximo, inclusive acabamos de conversar, a gente troca muita mensagem”.
E acrescentou: “Não tem nenhum problema, acho que tem uma narrativa de que existem problemas, que na verdade não existem. Pode ter diferença em algum ponto, em algum momento aqui”.
Segundo ele, não houve briga com o governo Lula. “Briga é quando tem 2 atacando ou se defendendo, e a gente nunca atacou, então não teve briga. Tiveram algumas críticas ao BC”, declarou.
Integrantes da cúpula do governo avaliam que Lula deve formalizar a indicação de Galípolo para a presidência do BC até o fim de agosto. O timing da decisão é visto como uma forma de esvaziar o fim do mandato de Campos Neto e de preparar o terreno no Senado para a sabatina que o novo indicado precisará se submeter até o fim do ano.
Campos Neto disse ter sugerido que a indicação de seu sucessor fosse adiantada. “Não tinha um mês muito certo na cabeça. Sabia que a eleição municipal ia gerar, vamos dizer assim, um período onde seria difícil mobilizar forças em Brasília”, declarou. Ele classificou o período transição como “super suave”.
O presidente do BC disse: “As últimas duas reuniões do Copom, não lembro de ter tido espírito de equipe tão grande entre todos nós. A gente diz, fizemos um negócio aqui, deu ruído grande, entendemos o ruído. Não foi pela divisão em si, foi pela percepção de que a divisão poderia ter sido política. Vamos consertar”.
E completou: “Não lembro, durante muito tempo aqui, de o grupo estar tão coeso como está hoje. Então acho que isso é sinal que a transição está sendo suave. Eu me comprometi a fazer isso. Eu mesmo sugeri que fosse antecipada a nomeação para poder fazer a transição suave. Eu me comprometi a ficar até o último dia, a ajudar durante a sabatina ou durante o período que for. Isso está acontecendo”.
Campos Neto disse não se incomodar com a narrativa de que “perderá poder” quando seu sucessor for indicado. “Não tenho incômodo com isso, quero ajudar na transição e tenho certeza de que quem entrar vai conversar comigo e falar: ‘o que você acha disso?’ No fim das contas, não estou muito preocupado com o poder, estou preocupado com a continuidade”, declarou.
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2ª FEIRA SANGRENTA
Campos Neto falou sobre a queda de mercados financeiros ao redor do mundo, em 5 de agosto, puxados pela baixa registrada pelo Nikkei 225, índice do mercado de ações da Bolsa de Valores de Tóquio, que fechou a data em baixa de 4.451,28 pontos (-12,40%). O dia foi chamado de “2ª feira sangrenta”.
“Esse fantasma tinha 3 razões. O medo de que a desaceleração nos EUA fosse ser muito mais forte. Esse fantasma desapareceu. Outra razão era que uma parte grande do mercado financeiro mundial estava ‘fundiado’ em iene, ou seja, tinha a perspectiva de que, no Japão, a taxa de juros ia ficar baixa para sempre, de que era fácil pegar dinheiro emprestado lá para aplicar em outros lugares”, disse o presidente do BC.
“Esse movimento foi desmontado em mais ou menos 50% a 60%, já não tem mais o mesmo peso. O mercado começou a ter uma preocupação muito grande sobre a relação entre EUA e China com medo de uma desaceleração global”, completou.