Organizações suspeitas de fraudes de até R$ 6,5 bilhões em aposentadorias do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) integram ou chegaram a integrar pelo menos 16 conselhos ou grupos consultivos no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Essas entidades estão distribuídas em colegiados de 10 ministérios, incluindo alguns que se encontram dentro do Palácio do Planalto, como o de Relações Institucionais e a Secretaria Geral.
A Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura) é a organização suspeita com mais acesso a esses conselhos. Está em todos os 16 colegiados mapeados pelo Poder360. Essa instituição foi a responsável por reter o maior valor dos aposentados em possíveis fraudes, segundo relatório da CGU (Controladoria Geral da União).
O Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos) aparece duas vezes em conselhos de Lula, em grupos que também têm a Contag como integrante.
Os conselhos existem em quase toda a estrutura do governo federal e são compostos por representantes de diferentes setores públicos e também da sociedade civil. Seus integrantes participam de consultas e elaborações de projetos de lei e discussões sobre políticas públicas, por exemplo.
Como mostra o quadro acima, a Contag está também no Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável, conhecido como Conselhão. O grupo é responsável pelo “assessoramento direto ao presidente da República em todas as áreas de atuação do Poder Executivo”, segundo o site oficial.
A entidade é representada no colegiado por seu presidente, Aristides Veras dos Santos, que comanda a instituição desde 2017. Ele é ligado à esquerda e foi um grande entusiasta da candidatura de Lula em 2022. Já se reuniu com o agora chefe do Executivo várias vezes, mesmo que em eventos informais, como mostram as fotos abaixo:
Presidente da Contag com Lula e Janja
Ainda que de forma mais tímida, a Contag também tinha acesso à administração de Jair Bolsonaro (PL). De 2019 a 2022, a organização esteve em 10 conselhos do governo do ex-presidente, sendo que 8 ficavam sob o guarda-chuva do Ministério da Agricultura.
Apesar disso, os atos que envolviam essa associação eram menos numerosos aquela época do que agora.
Os dados acima indicam uma certa proximidade do Executivo com as instituições que fraudaram aposentadorias, sobretudo com o governo Lula, mas também na gestão anterior, de Bolsonaro.
As fraudes, como mostrou o Poder360, começaram a crescer com mais força em 2022 e dispararam nos 2 anos seguintes, depois de o PT voltar ao poder. As reclamações direcionadas ao INSS também explodiram à medida que os roubos se intensificavam, indicando que havia algo errado.
Além disso, suspeitos de fraudes foram recebidos pelo menos 15 vezes nos ministérios da Previdência Social, do Desenvolvimento Social e no INSS desde o início da gestão de Lula, em 2023.
Os dados de entidades investigadas em conselhos do governo foram mapeados no Diário Oficial da União. Organizações que não foram citadas nominalmente nos atos oficiais podem participar de outros conselhos além dos citados acima.
FRAUDES EXPLODIRAM
Em setembro de 2024, a CGU finalizou um relatório sobre uma auditoria que verificou indícios de ilegalidades nos descontos associativos dos benefícios previdenciários. O documento indicou que 97,6% dos aposentados e pensionistas do INSS tiveram descontos diretos não autorizados em seus benefícios para pagar sindicatos e associações.
O órgão entrevistou 1.273 beneficiários de abril a julho de 2024 em todos os Estados do país. Do total, 96% disseram não participar de nenhuma associação. O relatório sobre a auditoria só foi divulgado em 23 de abril de 2025. Leia a íntegra (PDF – 4,9 MB) do documento.
De acordo com a CGU, os resultados indicaram a “grande probabilidade” de os descontos terem sido feitos de maneira indevida e à revelia do interesse dos pensionistas.
O órgão relatou que a auditoria foi feita depois da identificação de um aumento súbito no montante dos descontos para mensalidades associativas realizados na folha de pagamento dos beneficiários. Segundo a CGU, em 2022, o valor dos descontos realizados foi de R$ 706,2 milhões. Em 2024, o montante mais do que triplicou, chegando a R$ 2,8 bilhões.
A controladoria identificou também que os pedidos para cancelar os descontos realizados pelos canais de atendimento do INSS cresceram “acentuadamente” a partir de julho de 2023. Em abril de 2024, foram 192 mil solicitações registradas.
As organizações suspeitas de descontos indevidos de aposentados e pensionistas são:
- AAPB, Associação dos Aposentados e Pensionistas do Brasil;
- Aapen, Associação dos Aposentados e Pensionistas Nacional, anteriormente denominada de ABSP (Associação Brasileira dos Servidores Públicos);
- AAPPS Universo, Universo Associação dos Aposentados e Pensionistas dos Regimes Geral da Previdência Social;
- ABCB/Amar Brasil, clube de benefícios;
- Ambec, Associação de Aposentados Mutualista para Benefícios Coletivos;
- Apdap Prev, Associação de Proteção e Defesa dos Direitos dos Aposentados e Pensionistas;
- CAAP, Caixa de Assistência de Aposentados e Pensionistas do INSS;
- Conafer, Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais do Brasil;
- Contag, Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura;
- Sindnapi, Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos da Força Sindical;
- Unaspub, União Nacional de Auxílio aos Servidores Públicos.
OUTRO LADO
O Ministério do Desenvolvimento Agrário, que comanda a maioria dos conselhos com organizações investigadas, declarou que os representantes dos colegiados trabalham de forma voluntária nos espaços de “construção e validação de politicas públicas para a agricultura familiar”. Disse que a Contag representa “milhões de trabalhadoras e trabalhadores do campo” como justificativa para participação nos grupos.
A Secretaria Geral declarou que a “atuação dos conselheiros, titulares e suplentes, é considerada de relevante interesse público e não remunerada”. Afirmou que o Consea (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), que tem a Contag como integrante, está em “período de vacância do mandato da sociedade civil”.
O Ministério da Educação afirmou que o Fórum Nacional de Educação, que também tem a Contag como integrante, “tem a finalidade de coordenar as conferências nacionais de educação, acompanhar a implementação de suas deliberações e promover articulações com os fóruns estaduais, distrital e municipais de educação”.
O CNDPI (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Idosa), por meio de seu presidente, Raphael Castelo Branco, disse que a participação de organizações no colegiado é “considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada”.
“Sobre a operação deflagrada ‘sem descontos’, tão logo soubemos das informações preliminares da investigação (que já estava a tramitar em sigilo) pela imprensa, oficiamos ao Ministério da Previdência e ao INSS, requerendo informações oficiais para que sejam levadas ao colegiado. Oficiamos também a CGU e a Polícia Federal solicitando que o CNDPI, como entidade que atua na defesa de direitos de pessoas idosas, também participe do grupo de trabalho interinstitucional que atua na operação”, afirma o conselho.
“Estamos atentos aos encaminhamentos e dispostos a colaborar no que for necessário para que pessoas idosas tenham seus direitos respeitados. Em relação à Contag e as demais entidades citadas, foram habitadas e regularmente eleitas para exercício do mandato (2023-2025), estando regulares no exercício das funções. Em razão de ser ainda fase de investigação criminal, sujeita ao contraditório e à ampla defesa, e de estarmos, institucionalmente, no aguardo de tais informações oficiais, a matéria será apreciada pelo colegiado do conselho por ocasião de Reunião Extraordinária que convocamos sobre a temática”, completa a nota.
O Ministério do Meio Ambiente afirmou que a participação no Comitê Orientador do Fundo Amazônia é “considerada serviço de relevante interesse público e não enseja remuneração de qualquer natureza a seus membros”. Declarou que “eventuais providências em relação aos fatos apontados pela investigação da Polícia Federal serão avaliadas”.
O Poder360 procurou a Contag e o Sindnapi para perguntar se gostariam de se manifestar a respeito da presença das organizações em conselhos do governo. Foram enviadas mensagens de texto por WhatsApp e e-mail na 2ª e na 3ª feira (5-6.mai). Também foram feitas ligações. Não houve resposta até a publicação desta reportagem. O texto será atualizado caso uma manifestação seja enviada a este jornal digital.
OPERAÇÃO SEM DESCONTO
A Polícia Federal deflagrou em 23 de abril de 2025 a operação Sem Desconto para investigar um esquema de descontos indevidos em aposentadorias e pensões do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). A operação cumpriu 211 mandados judiciais de busca e apreensão e 6 mandados de prisão temporária no Distrito Federal e em 13 Estados.
De acordo com a PF, a investigação identificou a existência de irregularidades relacionadas aos descontos de mensalidades associativas aplicados sobre os benefícios previdenciários, principalmente aposentadorias e pensões, concedidos pelo INSS.
O governo informou que em 2023 a CGU (Controladoria Geral da União) deu início a uma série de apurações sobre o aumento do número de entidades e dos valores descontados dos aposentados. A partir desse processo, foram feitas auditorias em 29 entidades que tinham ACTs (Acordos de Cooperação Técnica) com o INSS. Também foram realizadas entrevistas com 1.300 aposentados que tinham descontos em folha de pagamento.
Segundo o governo, a CGU identificou que as entidades não tinham estrutura operacional para prestar os serviços que ofereciam aos beneficiários e que, dos entrevistados, a maioria não havia autorizado os descontos. A Controladoria também identificou que 70% das 29 entidades analisadas não tinham entregue a documentação completa ao INSS.
Na operação, 6 pessoas foram afastadas de suas funções. Entre elas, o presidente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), Alessandro Stefanutto.
Eis a lista das pessoas que foram afastadas de seus cargos no INSS:
- Alessandro Stefanutto – presidente;
- Virgílio Ribeiro de Oliveira Filho – procurador-geral do INSS;
- Vanderlei Barbosa dos Santos – diretor de Benefício junto ao Cidadão;
- Giovani Batista Fassarella Spiecker – coordenador-geral de Suporte ao Atendimento ao Cliente;
- Jucimar Fonseca da Silva – coordenador-geral de Pagamentos e Benefícios;
- policial federal – identidade não foi divulgada.
Os crimes em investigação são:
- corrupção ativa e passiva;
- violação de sigilo funcional;
- falsificação de documento;
- organização criminosa;
- lavagem de capitais.
A PF informou que apreendeu carros de luxo, dinheiro em espécie, joias e quadros. Os valores totais e a quantidade exata ainda estão em levantamento.
Mais cedo, às 6h30, o diretor-geral da PF, Andrei Rodrigues, e o ministro da CGU (Controladoria Geral da União), Vinícius de Carvalho, se reuniram com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no Palácio da Alvorada para explicar a operação e as medidas adotadas.
Eis algumas informações esclarecidas pelo governo:
- como funciona o desconto de mensalidades?
As entidades de classe, como associações e sindicatos, formalizam Acordos de Cooperação Técnica com o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Esses acordos permitem que as entidades realizem descontos de mensalidades associativas diretamente na folha de pagamento dos beneficiários do INSS, desde que autorizados pelos aposentados e pensionistas. - autorização do beneficiário
Para que o desconto seja realizado, a entidade precisa da autorização expressa e individual de cada beneficiário para realizar o desconto de sua mensalidade associativa. Na investigação, foram identificadas, porém, a ausência de verificação rigorosa dessa autorização e a possibilidade de falsificação de documentos de filiação e autorização.
Medidas adotadas
O governo determinou a suspensão dos Acordos de Cooperação Técnica das entidades associadas ao INSS e, consequentemente, dos descontos feitos nas folhas de pagamentos de aposentados e pensionistas.
De acordo com o governo, 11 entidades associadas foram alvo de medidas judiciais. Leia abaixo quais são e o ano em que o acordo com o INSS foi firmado:
- Ambex (2017);
- Sindinap/FS (2014);
- AAPB (2021);
- Aapen (anteriormente denominada ABSP) (2023);
- Contag (1994);
- AAPPS Universo (2022);
- Unaspub (2022);
- Conafer (2017);
- APDAP Prev (anteriormente denominada Acolher) (2022);
- ABCB/Amar Brasil (2022);
- Caap (2022).
Segundo o governo, os aposentados e pensionistas do INSS que identificarem desconto indevido de mensalidade associativa no extrato de pagamentos (contracheque) podem pedir a exclusão do débito de forma automática pelo aplicativo ou site “Meu INSS”.
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