Embates políticos envolvendo lideranças religiosas no Brasil atual quase sempre têm como protagonistas pastores evangélicos, especialmente ligados ao pentecostalismo e ao neopentecostalismo. Em 6 de março de 2025, porém, a Igreja Católica ganhou um representante nessa arena: frei Gilson, padre-cantor de 38 anos que desde então mobiliza discussões acaloradas nas redes sociais.
Ao obter cerca de 1 milhão de espectadores durante uma live transmitida na Quaresma, da Paróquia Nossa Senhora do Carmo, na Diocese de Santo Amaro, em São Paulo, frei Gilson chamou atenção pelo teor de seu discurso, que não demorou a ser associado ao bolsonarismo —na pregação chegou a dizer que as mulheres precisam atuar como “auxiliares” dos homens.
Nas redes sociais, usuários mais alinhados à esquerda apontaram para o reacionarismo do religioso. Ato contínuo, políticos da direita foram a público defendê-lo, entre eles o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o governador paulista, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e o deputado federal mais votado do Brasil, Nikolas Ferreira (PL-MG).
Política e religião
Frei Gilson faz parte da Renovação Carismática Católica, uma vertente que adere a elementos do pentecostalismo evangélico. Trata-se de um movimento que ganhou popularidade com padres-cantores como Marcelo Rossi, Fabio de Melo, Reginaldo Manzotti, João Carlos e Antônio Maria.
Segundo Magali Cunha, pesquisadora de comunicação e religiões, apesar de atrair a simpatia de políticos da direita brasileira, é improvável que frei Gilson se associe abertamente a essas figuras, tal qual lideranças evangélicas como o pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus.
Para a pesquisadora, a ligação de frei Gilson com o projeto da direita, por ora, está no fato de que o padre adere de forma explícita ao discurso ultraconservador que cresce no Brasil pelo menos desde 2014. Nesse contexto, disse Cunha ao Poder360, o religioso, com sua forte influência digital, tem um papel mais relevante no reposicionamento da Igreja Católica em um cenário de perda de fiéis do que necessariamente no campo político.
“Frei Gilson é uma dessas pessoas que vão aparecer como uma nova perspectiva de interação de lideranças católicas com o mundo tecnológico e digital”, afirmou a pesquisadora. “Tudo isso [se insere] em um conjunto de elementos do ultraconservadorismo político do Brasil. Há uma afinidade do discurso teológico e pastoral de frei Gilson a essa linha.”
Cunha destacou que a popularidade do padre tende a proporcionar um estreitamento entre alguns segmentos católicos e alguns segmentos evangélicos. E tudo isso, observou, aparece na política, tanto na exaltação do conservadorismo na disputa de poder quanto no rechaço à instrumentalização religiosa das políticas públicas.
Segundo a pesquisadora, esse estreitamento se dá em torno da ideia de que cristãos são perseguidos no Brasil —as críticas da esquerda a figuras como frei Gilson são comumente usadas como exemplo dessa perseguição. A pesquisadora, porém, afirmou discordar dessa ideia. “Não é uma coisa que acontece no Brasil”, concluiu.
Milhões de seguidores
Gilson da Silva Pupo Azevedo começou sua educação religiosa aos 18 anos na Congregação Carmelitas Mensageiros do Espírito Santo e foi ordenado sacerdote em 2013.
Durante a pandemia de covid-19, iniciada em 2020, o padre começou a realizar transmissões ao vivo para manter a conexão com os fiéis.
Atualmente, tem quase 7 milhões de inscritos no YouTube e 8 milhões de seguidores no Instagram. Seu trabalho religioso inclui a participação no grupo Som do Monte, que tem 1,3 milhão de ouvintes mensais no Spotify.
A live que gerou atenção e apoio político não foi a primeira a projetar frei Gilson. Em julho de 2021, durante uma transmissão ao vivo em Brasília, ele e um colega fizeram orações contra o comunismo e em defesa da família brasileira.