Ministros do Supremo Tribunal Federal sinalizaram ao Legislativo nos últimos dias que há acordo na Corte pelo fim de 2 inquéritos controversos: o das fake news (4.781 de 2019) e o das milícias digitais (4.784 de 2020). O relator desses casos é Alexandre de Moraes, que pensa em encerrar as investigações até dezembro de 2024.
O caso das fake news, mais antigo, foi aberto por iniciativa do ministro Dias Toffoli, em 2019. Há desconforto tanto na Corte quanto no mundo político com o prolongamento do caso. O mesmo sentimento existe sobre o inquérito das milícias digitais, criado no ano seguinte (2020). O sentimento em parte do establishment político, empresarial e no mundo dos operadores do direito é que essas investigações conduzidas por Alexandre de Moraes se transformaram em inquéritos ônibus, nos quais quase tudo pode ser incluído e com critérios nem sempre bem delimitados.
Inicialmente, a ideia era apurar a existência de notícias falsas e do que se convencionou chamar de milícias digitais, que produziriam em escala industrial mentiras para compartilhar nas redes sociais em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Mas o escopo foi aumentando e quase tudo está em sigilo.
As investigações conduzidas pela Corte usam métodos que às vezes são comparados aos utilizados na operação Lava Jato: manter pessoas presas por tempo indeterminado e sem julgamento na expectativa de acabar encontrando alguma prova ou forçar delações. Em público, o Supremo e seus integrantes rebatem afirmando que a democracia ficou em risco e medidas excepcionais foram necessárias.
Em privado, entretanto, cada vez mais magistrados entendem que chegou a hora de finalizar esses 2 inquéritos e reduzir um pouco a exposição do Supremo.
Essa percepção vinha crescendo já alguns meses. Ganhou corpo depois das revelações do jornal Folha de S.Paulo sobre os métodos utilizados por Moraes durante as eleições de 2022. Assistentes do magistrado combinavam de maneira extraoficial e informal como fazer relatórios compartilhados entre o STF e o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para sustentar acusações contra bolsonaristas.
Pelo menos 2 fatores principais impulsionaram a onda para convencer Moraes a finalizar os inquéritos das fake news e das milícias digitais:
- novo presidente do Senado – há receio a respeito de como vai agir em 2025 o próximo presidente do Senado, que deve ser Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Há uma pressão constante da oposição contra o STF. Há hoje 59 pedidos de impeachment contra ministros do Supremo no Senado (sendo 23 contra Moraes);
- próximo Senado em 2027 – os inquéritos abertos ajudam a engrossar o caldo de cultura entre senadores contra o Supremo. Se esse ambiente permanecer, pode influir na disputa de 2026, quando haverá renovação de 54 cadeiras (2/3 do total de 81) da Casa Alta. Bolsonaristas esperam conquistar muitas vagas com base na agenda de combater as atitudes do STF. Hoje, no máximo perto de 30 senadores apoiam abrir um processo de impeachment contra um juiz do Supremo. Em fevereiro de 2027, quando tomam posse os eleitos, esse quadro pode ser alterado.
A pressão sobre o Supremo cresceu não só por causa das revelações sobre os métodos de Moraes (por meio das mensagens vazadas agora em agosto de 2024). O tom beligerante de parte do Congresso aumentou também após a decisão de limitar emendas ao Orçamento propostas por deputados e senadores –uma iniciativa comandada pelo ministro Flávio Dino.
Se Alexandre de Moraes vier mesmo a encerrar os 2 inquéritos, a temperatura tende a ser reduzida rapidamente na relação entre Legislativo e Judiciário.
O próprio Moraes tem sinalizado a colegas que gostaria de finalizar essas investigações. Em meados de 2024, disse que idealmente poderia concluir os inquéritos em julho –mês de recesso do STF. Depois, em agosto, remeteria para instâncias inferiores da Justiça os processos que seguiriam fora da Corte. Esse prazo não foi cumprido e todos notaram.
Agora, o assunto voltou com força porque foi necessário que vários ministros do Supremo fizessem um cordão sanitário em volta do STF para defender Moraes no caso das mensagens vazadas. Dentre os que vocalizaram uma defesa do ministro estão Flávio Dino (que puxou a fila), Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.
Os ministros também trabalharam para reverter uma crítica acerba dirigida a Moraes por parte de Nelson Jobim, 78 anos, ex-presidente do STF, ex-presidente do TSE, ex-ministro da Justiça, ex-ministro da Defesa e ex-deputado do Congresso constituinte. Depois de dizer que os métodos de Moraes se aproximavam dos da Lava Jato, em 10 de agosto de 2024, Jobim publicou uma nota oficial em 20 de agosto desdizendo tudo.
Houve um trabalho para reverter a crítica de Jobim durante a festa de aniversário de Guiomar Feitosa, mulher do ministro Gilmar Mendes. A celebração foi em Brasília, em 13 de agosto, com a presença de autoridades dos Três Poderes, além de empresários e banqueiros.
Dentre os convidados da festa estava o dono BTG, André Esteves, que ouviu críticas de magistrados a Nelson Jobim –que é sócio do BTG Pactual e integra o conselho do banco. Nos dias seguintes, Esteves telefonou para Jobim (que está em férias no exterior) e pediu que recuasse da crítica. Aí veio a nota de desagravo a Moraes.
Todo esse trabalho dos colegas a favor de Moraes está sendo por causa do forte espírito de corpo do Supremo. Os 11 magistrados sabem que se um deles vier algum dia a enfrentar um processo de impeachment no Senado, isso enfraquecerá o Tribunal de maneira geral. Hoje, eles têm mandatos até a idade limite de 75 anos e nunca houve um caso dessa natureza.
Para coordenar essa operação de proteção a Moraes, alguns dos magistrados têm deixado claro que está no limite a liberdade que ele tem para conduzir os inquéritos das fake news e das milícias digitais. Fica cada vez mais difícil usar o argumento de que é para “salvar a democracia”.
Não há, obviamente, cobrança direta nem negociação do tipo “você vai ser protegido, mas tem de encerrar os inquéritos”. Os diálogos são mais amenos e procuram apresentar argumentos racionais.
O Poder360 apurou que a expectativa de ministros do Supremo e entre integrantes do comando do Congresso é que o término desses inquéritos deve se dar até o final de 2024 –para que o efeito seja sentido antes de os próximos presidentes da Câmara e do Senado assumirem, em fevereiro de 2025.