O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), retirou o sigilo do áudio apreendido pela Polícia Federal (PF) no âmbito da operação que investiga o monitoramento ilegal de pessoas e autoridades públicas, conhecido como “Abin paralela”, nesta segunda-feira (15).
O arquivo estava em um dos seis celulares e quatro notebooks recolhidos do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) durante uma operação Vigilância Aproximada, deflagrada em janeiro deste ano.
A gravação, que tem uma hora e oito minutos de duração, aconteceu durante uma reunião realizada em agosto de 2020.
Segundo a PF, a conversa está relacionada ao uso ilegal da Abin e tinha objetivo de obter informações que levassem a anulação de uma investigação na qual o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) foi acusado de praticar “rachadinha” entre os funcionários de seu gabinete quando era deputado estadual no Rio de Janeiro.
“Rachadinha” é um termo usado na política quando um funcionário público é obrigado a devolver parte do seu salário ao político que o contratou. A prática é ilegal.
Além da participação de Ramagem na reunião, na época ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), também estavam presentes o então presidente Jair Bolsonaro (PL), o ex-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, e duas advogadas de defesa do senador Flávio Bolsonaro — Juliana Bierrenbach e Luciana Pires.
Reunião
Durante o encontro, as advogadas apresentam a Jair Bolsonaro, Heleno e Ramagem um suposto esquema criminoso operado por quatro funcionários da Receita Federal que, acreditavam elas, poderia anular as investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro em relação ao senador.
O áudio apreendido pela PF mostra o ex-diretor-geral da Abin dando orientações às advogadas do senador Flávio Bolsonaro em relação ao caso das “rachadinhas”. Além disso, ele faz um alerta sobre riscos “políticos” em relação à condução do caso.
A gravação também mostra que Jair Bolsonaro disse que Wilson Witzel, à época governador do Rio, sugeriu ajudar Flavio Bolsonaro em troca de uma vaga no Supremo Tribunal Federal.
O ex-presidente, em determinado momento, diz que “nunca sabe se alguém está gravando alguma coisa“. Ramagem, porém, disse, nesta segunda-feira (15), que Bolsonaro sabia que estava sendo gravado.
Abin Paralela
O objetivo da investigação sobre a “Abin Paralela” é desarticular uma suposta organização criminosa responsável por monitorar autoridades públicas de forma ilegal e produzir notícias falsas utilizando os sistemas da agência.
As investigações da PF apontam que o aparato da Abin era utilizado pelo núcleo do ex-presidente Jair Bolsonaro em benefício próprio. O objetivo seria investigar rivais políticos e beneficiar aliados do então presidente.
Essa estrutura seria composta por pessoas ligadas ao governo, mas que agiriam fora dos canais oficiais e regulamentos da Abin, conduzindo operações de vigilância, monitoramento e coleta de informações de maneira não autorizada ou ilegal.
A conclusão da PF é que a estrutura da Abin foi de fato usada para interesses particulares de Bolsonaro, comprometendo a integridade e a missão institucional da agência.
A CNN procurou os citados no documento. Veja o que disseram até o momento:
- Jair Bolsonaro: sem manifestação até o momento.
- Alexandre Ramagem: “O presidente Bolsonaro sempre se manifestou na reunião por não querer favorecimentos ou jeitinhos”. “Eu me manifestei contrariamente à atuação do GSI no tema, indicando o caminho por procedimento administrativo pela Receita Federal, previsto em lei, e ainda judicial no STF”
- Augusto Heleno: procurado, o advogado Matheus Millanez, que representa o general Augusto Heleno, informou que não se manifestará.
- Luciana Pires: a CNN tenta contato com a defesa.
- Juliana Bierrenbach: “O que eu relatei foi a existência de uma organização criminosa no âmbito da Receita. Eles atuam da seguinte forma. Existe uma portaria que é de 2012 que determina que alguns funcionários da Corregedoria da Receita federal e da área de investigação podem utilizar uma senha de acesso que torna o acesso dos funcionários indetectável”.
- Flávio Bolsonaro: “Mais uma vez, a montanha pariu um rato. O áudio mostra apenas minhas advogadas comunicando as suspeitas de que um grupo agia com interesses políticos dentro da Receita Federal e com objetivo de prejudicar a mim e a minha família. A partir dessas suspeitas, tomamos as medidas legais cabíveis. O próprio presidente Bolsonaro fala na gravação que não ‘tem jeitinho’ e diz que tudo deve ser apurado dentro da lei. E assim foi feito. É importante destacar que até hoje não obtive resposta da justiça quanto ao grupo que acessou meus dados sigilosos ilegalmente”.
- Wilson Witzel: “Nunca mantive qualquer relação pessoal ou profissional com o juiz Flavio Itabaiana e jamais ofereci qualquer tipo de “auxílio” a qualquer um durante meu governo. O presidente Jair Bolsonaro deve ter se confundido e não foi a primeira vez que mencionou conversas que nunca tivemos, seja por confusão mental, diante de suas inúmeras preocupações, seja por acreditar que eu faria o que hoje se está verificando com a Abin e Policia Federal. No meu governo a polícia civil e militar sempre tiveram total independência”.
Este conteúdo foi originalmente publicado em Entenda o contexto dos áudios da conversa entre Bolsonaro e Ramagem no site CNN Brasil.