A diretoria da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) começou na 3ª feira (21.mai.2024) a deliberação sobre um pedido de recálculo de uma indenização que consumidores brasileiros pagam às transmissoras de energia. O processo trata de um repasse de R$ 60,49 bilhões que deve ser reduzido em 19,2%, para R$ 48,84 bilhões.
Na prática, esse corte de R$ 11,64 bilhões representa um alívio na conta de luz dos brasileiros, mas um prejuízo para as transmissoras de energia. Segundo apurou o Poder360, só a Eletrobras perderá cerca de R$ 7 bilhões em repasses indenizatórios aos quais teria direito até 2028. Privatizada em 2022, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), a Eletrobras tem ações negociadas em Bolsa de Valores. Os R$ 7 bilhões que perderá de receita devem prejudicar o resultado da empresa em seus próximos balanços.
Nesta 4ª feira (22.mai.2024), os papeis da Eletrobras sofriam queda de quase 4% por volta de 17h.
O relator do processo, diretor Fernando Mosna, entendeu que há um erro no modelo vigente e votou para mudar a forma de cálculo da indenização bilionária por considerar que havia ilegalidades no formato original que beneficiam 9 transmissoras. Eis a íntegra do voto (PDF – 774 kB).
Mosna foi seguido pelo diretor Hélvio Neves Guerra, que termina o seu mandato na Aneel na 6ª feira (24.mai). O julgamento estava em 2 a 0 quando foi interrompido já na noite de 3ª feira (21.mai) por um pedido de vista (mais tempo para análise) da diretora Agnes Costa –indicada para o cargo por Marisete Pereira, que hoje integra o Conselho de Administração da Eletrobras e preside a Abrage (Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica).
O Poder360 apurou que dentro da Aneel é dado como certo que o entendimento do relator sairá vencedor e o placar terminará em 3 a 2 (a Aneel tem 5 diretores titulares). O diretor Ricardo Tili ainda não votou, mas já demonstrou alinhamento com a visão de Mosna durante a leitura do voto do relator.
ENTENDA O CASO
O processo analisa erros no cálculo da indenização sobre a base de ativos do chamado RBSE (Rede Básica Sistema Existente), que é o sistema de transmissão de energia. Essa metodologia foi implementada na renovação das concessões de transmissoras feitas no governo Dilma Rousseff (PT).
A possibilidade constava na famigerada MP 579 de 2012, que se tornou a lei 12.783 de 2012 e quase quebrou o setor elétrico. O texto garantiu a renovação antecipada de concessões de energia, mas deixou uma conta futura elevada para aos consumidores.
O objetivo da MP 579 era reduzir a conta de luz, mas a queda foi artificial e provocou um “tarifaço” nos anos seguintes, deixando os brasileiros com um prejuízo de mais de R$ 100 bilhões.
A tática do governo Dilma foi antecipar a renovação de concessões de geração e transmissão, que venceriam em 2015, para 2013. Para terem os contratos prorrogados, essas empresas concordaram com um corte nas tarifas que visava a uma queda de 20% nas contas de luz.
Dois anos depois, os custos com energia voltaram a subir. A redução superficial quase quebrou companhias geradoras e transmissoras, que deixaram de receber a remuneração a que teriam direito pelos investimentos feitos. O prejuízo foi coberto pelas indenizações que entraram nos processos de reajuste anuais a partir de 2016, fazendo as contas de energia explodirem.
No setor de transmissão, os novos contratos foram celebrados com a Eletrobras, através de 4 das suas subsidiárias: Chesf, Furnas, Eletrosul e Eletronorte. Também foram beneficiadas outras transmissoras como ISA Cteep, Cemig (Companhia Energética de Minas Gerais) e Copel (Companhia Paranaense de Energia).
A forma de cálculo foi questionada na Aneel por empresas de geração de energia, autoprodutores e consumidores, representados por entidades como Abiape (Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia) e Abrace (Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia). Empresas também lutavam pela correção, como a concessionária que administra a hidrelétrica Jirau.
O imbróglio se dá pela forma que são calculados os valores dos ativos existentes das transmissoras, pelos quais elas são indenizadas. Geradores e consumidores questionam a remuneração do chamado custo de capital próprio, que entra na receita das empresas.
Esse componente não entrou nos processos de reajustes anuais de 2017/2018, 2018/2019 e 2019/2020 por força de liminar da Justiça que suspendeu o cálculo. Voltou a ser computado depois da Aneel recorrer e obter sentença favorável em 2019.
A Aneel agora caminha para alterar a abordagem de tratamento do fluxo financeiro, modificando o método de cálculo da fase de amortização para fluxo antecipado.
Assim, o cálculo de ativos realizado de forma antecipada na fase de capitalização e postecipada na fase de amortização, será corrigido para na fase de amortização para antecipada.
“Não se trata de reavaliar o montante do financeiro, mas tão somente de alterar a taxa de remuneração do fluxo (taxa do financiamento)”, diz trecho do voto do relator. As indenizações com novo valor serão pagas até 2028.
OUTRO LADO
A reportagem do Poder360 procurou a Eletrobras para perguntar se gostaria de se manifestar a respeito do julgamento da Aneel, mas ainda não obteve resposta. O espaço segue aberto.