O golpe cívico-militar de 1964 completa 60 anos neste domingo (31.mar.2024). Ao contrário do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que não reconhecia a ruptura democrática e comemorava a data, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu ignorar essa efeméride.
A ditadura durou 21 anos, terminando em março de 1985, quando José Sarney tomou posse. Era vice de Tancredo Neves (1910-1985), que morreu antes de assumir.
Durante o governo de Bolsonaro, o dia 31 de março foi comemorado pelas Forças Armadas. Segundo o porta-voz à época, Otávio do Rêgo Barros, o ex-presidente não considerava a data como um golpe.
“O presidente não considera 31 de março de 1964 como um golpe militar. Ele considera que a sociedade, reunida e percebendo o perigo que o país estava vivenciando naquele momento, juntou-se, civis e militares, e nós conseguimos recuperar e recolocar o nosso país em um rumo que, salvo o melhor juízo, se isso não tivesse ocorrido, hoje nós estaríamos tendo algum tipo de governo aqui que não seria bom para ninguém”, declarou.
No começo da gestão bolsonarista, o caso foi parar na justiça. A juíza federal Ivani Silva da Luz determinou que a União se abstivesse de fazer comemorações pelo golpe militar, com multa em caso do descumprimento da decisão.
Em resposta, Bolsonaro passou a tratar o tema como “revolução”, e disse que não era preciso comemorar, mas “rememorar” a data. “Rever o que está errado, certo e usar isso para o bem do Brasil”, disse na ocasião.
O TRF1 (Tribunal Regional da 1ª Região), entretanto, derrubou naquele mesmo ano a liminar –decisão provisória– que proibia o governo de realizar eventos alusivos ao golpe de 1964. Tudo a pedido da AGU (Advocacia Geral da União).
O Palácio do Planalto, então, divulgou um vídeo institucional defendendo o golpe militar. “O Exército nos salvou. O Exército nos salvou. Não há como negar e tudo isso aconteceu num dia como o de hoje. O 31 de março. Não dá para mudar a história”, diz a peça.
Assista (2min1s):
No ano seguinte, 2020, em conversa com apoiadores na saída do Palácio da Alvorada, Bolsonaro classificou o 31 de março como “o grande dia da liberdade”.
Naquele ano, o senador e ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS) prestou homenagem ao golpe em sua conta no X (ex-Twitter). Disse que as Forças Armadas assumiram o poder para enfrentar a subversão e fizeram reformas que “desenvolveram o Brasil”.
Sob Lula, o movimento é o contrário. O Ministério da Defesa e as Forças Armadas decidiram ignorar o aniversário de 60 anos do golpe militar de 1964, assim como o resto do governo. Além de não haver nenhum evento em alusão à data, as instituições militares não farão sequer postagens sobre o tema.
Segundo apurou o Poder360, os militares veem com bons olhos a discrição com que o governo petista tratará o tema em 2024. Seria mais um passo de Lula na direção de melhorar sua relação com a caserna.
Enquanto isso, em 2021, Bolsonaro contou com uma vitória na justiça para realizar comemorações alusivas ao regime autoritário.
O então ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, chegou a dizer ser preciso comemorar o golpe de Estado de 1964 como um movimento que permitiu “pacificar o país”. A declaração constava no texto “Ordem do Dia Alusiva ao 31 de Março de 1964”, publicado no site do Ministério da Defesa.
Em 2022, ano de eleição presidencial, Bolsonaro manteve o tom. No aniversário de 58 anos da data, em cerimônia no Planalto, chamou o golpe de “mentira”.
“Hoje são 31 de março. O que aconteceu nesse dia? Nada? A história registra nenhum presidente perdendo seu mandato nesse dia. Por que a mentira? A quem ela se presta? O Congresso Nacional, em 2 de abril, votou pela vacância de João Goulart, com voto inclusive de Ulysses Guimarães. Quem assumiu o governo nesse dia não foi militar, foi o presidente da Câmara. Por que omitir isso?”.
Assim como em 2021, o Ministério da Defesa publicou naquele ano uma ordem do dia em alusão ao golpe. O texto, assinado por Braga Netto, classificava a data como “marco histórico da evolução política brasileira, pois refletiu os anseios e as aspirações da população da época”. A publicação foi duramente criticada pela oposição a Bolsonaro.
GOVERNO LULA
Com o fim da ditadura, a Ordem do Dia de celebração ao golpe– mensagem comemorativa sobre o tema– foi lida em quartéis até 1995, quando o então presidente FHC (Fernando Henrique Cardoso) removeu o texto oficialmente. Durante os primeiros governos de Lula, a ordem foi lida em 2003, 2004 e 2005. No governo de Dilma Rousseff (PT), a mensagem não foi promulgada.
Já no 1º ano de gestão do 3º mandato de Lula, em 2023, a memória da data foi abordada de outra maneira. Sob o comando do general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, o Exército Brasileiro decidiu não comemorar o aniversário do golpe militar.
Apesar disso, o Clube Militar do Rio de Janeiro chegou a realizar um almoço em celebração da data: “59 anos do Movimento Democrático em 31 de março 1964”. Lia-se no site oficial da instituição.
Se Bolsonaro foi criticado diversas vezes por classificar o período como “revolução”, Lula usou a mesma referência para falar do regime autoritário.
“Vai ser a 1ª reforma tributária votada no regime democrático. A última reforma tributária nossa foi depois da revolução de 64”, disse o petista ao ser perguntado sobre a aprovação da reforma no Congresso. A declaração foi em entrevista à Rádio Gaúcha em junho de 2023.
Ao final do 1º ano do mandato de Lula, a Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, anunciou que promoveria diversos eventos para lembrar os 60 anos do golpe militar de 1964. O Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania também disse que realizaria iniciativas pela preservação da memória, da verdade e da luta pela democracia e justiça social.
O presidente Lula, entretanto, mandou o ministro de Direitos Humanos, Silvio Almeida, cancelar ato no Museu da República que relembraria os “perseguidos” durante o período. A ordem do petista seria para evitar tensões com os militares e minimizar o destaque para a data.
Em 28 de fevereiro, Lula disse querer evitar “remoer o passado”, e que os atos de 8 de Janeiro causam mais preocupação que a lembrança da tomada de poder pelos militares em 1964.
“Vou tratar [os 60 anos] da forma mais tranquila possível. Estou mais preocupado com o golpe de janeiro de 2023 do que com o de 64. Isso já fez parte da história, já causou sofrimento, o povo já reconquistou o direito democrático. Os militares, hoje no poder, eram crianças naquele tempo. Alguns nem eram nascidos”, declarou em entrevista à “RedeTV!”.
Na 4ª feira (27.mar), o chefe do Executivo disse ter “carinho” pelas Forças Armadas, e os classificou como “altamente qualificados” para assegurar a paz. A declaração foi dada ao lado do presidente da França, Emmanuel Macron, em cerimônia de lançamento do submarino Tonelero, em Itaguaí.
“Esse carinho que temos com a Marinha, que nós temos com a Força Aérea Brasileira, com a Aeronáutica e com o Exército brasileiro, porque um país do tamanho do Brasil precisa ter forças armadas altamente qualificadas, altamente preparadas ao ponto de dar respostas e garantir a paz quando nosso país precisar”, disse o petista em aceno aos militares.
PT mantém posição
O partido do presidente Lula disse que vai apoiar atos que relembrem a ditadura no Brasil mesmo com a posição “discreta” adotada pelo governo.
O PT declarou, em nota, que, “às vésperas do dia de memória dos 60 anos do golpe de Estado de 1964”, é importante reafirmar o“compromisso com a defesa da democracia no país, valor presente no DNA originário do partido desde sua fundação”. Por isso, a sigla “apoiará e participará dos atos e manifestações da sociedade previstos para 31 de março e 1º de abril em diversos pontos do país, além das atividades organizadas por sua fundação, a Fundação Perseu Abramo”.
Ao decidir “ignorar” a data, Lula busca evitar tensões com militares e minimizar o destaque dado pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) ao 31 de março.
Lula quer apaziguar as relações do seu governo com militares das Forças Armadas e seus apoiadores —que, em sua maioria, são críticos à presença dos fardados no governo. Segundo apurou o Poder360, o presidente pediu que a data seja tratada com “serenidade” por todos.
Esta reportagem foi produzida pela estagiária Evellyn Paola sob a supervisão do editor Rafael Barbosa.