Só cidades e Estados perdem R$ 25 bi com isenção de R$ 5.000 do IR

Um dispositivo da Constituição nos artigos 157 e 158 determina que todo o IRPF (Imposto de Renda Pessoa Física) retido na fonte sobre os salários de funcionários públicos de cidades e de Estados deve ficar com os cofres de prefeitos e de governadores. Com a isenção da cobrança de IRPF para quem ganha até R$ 5.000 por mês, esses governos locais perderão R$ 12,5 bilhões por ano de receita. Outros R$ 12,5 bilhões devem evaporar porque não vão entrar nos fundos que abastecem esses entes federativos locais. Total de receita a menos por ano: R$ 25 bilhões.

Não está claro se o governo federal incluiu esses valores no cálculo de perda de arrecadação. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já divulgou várias cifras sobre como compensar a perda de recursos para cumprir a promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Primeiro, falou que seriam R$ 35 bilhões. Depois, passou para R$ 25 bilhões. Nesta 2ª feira (17.mar.2025), a nova estimativa foi a R$ 27 bilhões –sem nenhum tipo de detalhamento, apesar de o anúncio do projeto de lei estar marcado para 3ª feira (18.mar), às 11h30, no Planalto.

O dinheiro que vem do IR retido na fonte dos salários de funcionários públicos locais é vital para o funcionamento de prefeituras e de governos estaduais. Há um movimento na Câmara e no Senado para incluir no projeto de lei de Lula uma exigência de compensação integral dos R$ 12,5 bilhões ou quanto for na prática a perda em 2026.

O problema é que para achar dinheiro para compensar a redução de receita, o governo Lula só tem duas opções. Primeiro, cortar despesas (e isso está fora de cogitação como já disse o próprio presidente). A segunda possibilidade é criar um imposto que compense a perda de recursos. Só que, nesse caso, quem rejeita a proposta é o Congresso Nacional.

O governo planeja compensar parte da perda total, incluindo o impacto para a União, com o aumento da tributação sobre altos salários (a partir de R$ 50 mil mensais) e dividendos, o que elevaria o volume de arrecadação destinada aos fundos. O governo anterior de Jair Bolsonaro (PL) tentou taxar dividendos, mas o então ministro da Economia à época, Paulo Guedes, não teve sucesso no Congresso e abandonou a ideia.

Até agora, a renúncia para Estados e cidades (sobretudo a do IR retido na fonte de funcionários públicos) tinha sido pouco explorada pela mídia e aparentemente não foi considerada pelo mercado financeiro –que sempre observa a capacidade de o governo cumprir a meta fiscal. “Ninguém no Congresso vai ser contra aprovar a isenção de imposto para a classe média. Mas nenhum deputado e senador poderá deixar de compensar a perda de arrecadação de cidades e Estados em ano eleitoral, como o de 2026. Por essa razão já apresentei um projeto de lei nesse sentido e farei emendas ao texto do governo assim que a proposta chegar à Câmara”, diz o deputado federal Mendonça Filho (União Brasil-PE). Leia a íntegra (PDF – 171 kB) do projeto de lei 729, de 2025.

O cálculo da perda de R$ 12,5 bilhões com a redução de IR retido na fonte de funcionários públicos foi feito por entidades que representam Estados e cidades. Em Pernambuco há dados detalhados apurados por Mendonça Filho. Os cofres pernambucanos perderiam R$ 1,411 bilhão em 2026 só por causa de um valor menor de IR retido na fonte de salários de funcionários públicos.

Além dessa perda com menos IR retido na fonte de funcionários públicos municipais e estaduais, há também uma quebra na arrecadação do dinheiro que vai para fundos para cidades e Estados.

É que 46% do que a Receita Federal cobra de IRPF dos 46,2 milhões de brasileiros que pagam o tributo vai para 2 fundos. Eles recebem os seguintes percentuais de arrecadação total do IR:

  • 21,5% – FPE (Fundo de Participação dos Estados);
  • 24,5% – FPM (Fundo de Participação dos Municípios).

O governo federal fica com 51% do que é arrecadado pelo Imposto de Renda e os 3% restantes são destinados para fundos específicos, como o FDRN (Fundo de Desenvolvimento da Região Norte).

Os cálculos apresentados pelo Poder360 vêm de entidades que representam Estados e cidades. A base é a arrecadação de 2022 corrigida pelo fator inflacionário de 5,5%. Até 50% do valor que será perdido vem da arrecadação própria por meio do IR retido na fonte de funcionários públicos. Só aí a cobrança de impostos chega a R$ 12,5 bilhões por ano na faixa de imposto que passará a ser isenta.

O Poder360 teve acesso a essas projeções. Segundo elas, de 40% a 50% desse valor vem da arrecadação própria dos entes federativos, por meio do IR retido na fonte. Isso representa até R$ 12,5 bilhões anuais.

Caso a norma seja aprovada, o impacto na arrecadação própria de Estados e municípios vai variar de 5% a 12%. O restante do impacto se deve à redução do volume total arrecadado e distribuído pelos fundos de participação.

Segundo a CUT (Central Única dos Trabalhadores), 28,9% dos servidores públicos municipais recebem entre R$ 2.500 e R$ 5.000.

A CNM (Confederação Nacional dos Municípios) estima que só os prefeitos devem perder R$ 11,8 bilhões por ano. As cidades devem ter redução de 15% na arrecadação própria. Isso equivale a R$ 4,9 bilhões. Já o repasse do FPM terá queda de 3% –o equivalente a R$ 6,9 bilhões.

“Nos preocupa o silêncio da União até o momento sobre esse impacto. Isso gera uma apreensão para as gestões municipais, uma vez que o governo se antecipou em anunciar a boa notícia, mas não esclareceu se está avaliando como compensar as perdas que vai causar para os demais entes”, afirma o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.

A confederação diz que a compensação sugerida pela União considera apenas o orçamento federal e que, se a taxação dos mais ricos for feita por fora do Imposto de Renda, poderá não haver divisão dos recursos com os demais entes da federação. “Ou seja, além de causar impacto negativo aos municípios, a medida ainda poderá aumentar a concentração de recursos para a União”, diz nota da CNM.

O Poder360 perguntou ao Ministério da Fazenda e à Receita Federal na 6ª feira (14.mar.2025) e nesta 2ª feira (17.mar.2025) por email sobre qual seria o impacto da ampliação da isenção para Estados e municípios. Também perguntou se a renúncia de R$ 27 bilhões estimada por Haddad contempla as perdas estaduais e municipais. A Fazenda e a Receita não responderam até a publicação desta reportagem. O espaço segue aberto para eventuais manifestações.

APRESENTAÇÃO DO PROJETO DE LEI

Lula fará um evento no Palácio do Planalto na 3ª feira (18.mar.2025) para apresentar o projeto de lei que será enviado ao Congresso Nacional. O texto é a principal aposta do governo para começar a recuperar a popularidade do petista ainda no 1º semestre. 

O presidente prometeu ampliar a faixa de isenção ainda na campanha eleitoral de 2022. Seu objetivo é afagar a classe média, estrato em que vem perdendo apoio. 

Embora seja uma medida popular, o governo não terá vida fácil para aprová-la no Congresso. Deputados e senadores pressionarão por uma compensação efetiva aos prefeitos e governadores pelas perdas na arrecadação. O pleito será vital para a reeleição de congressistas em 2026, que esperam contar com a ajuda dos gestores locais de suas bases eleitorais.

COMO SE DÁ A PERDA

A seguir, um resumo do que está nesta reportagem sobre como será a perda de arrecadação de cidades, Estados e Distrito Federal:

  • funcionários públicos – o IR pago por trabalhadores de cidades e de governos estaduais que é retido na fonte fica para os cofres dos prefeitos e dos governadores –esse dinheiro nunca vai para a União e fica 100% com o gestor local. Como menos IR será pago, haverá também menos recursos coletados;
  • fundos – o dinheiro que a Receita Federal cobra de IRPF é depois dividido: 21,5% vai para o FPE(Fundo de Participação dos Estados) e  24,5% vai para o FPM (Fundo de Participação dos Municípios). Como a isenção de IR vai aumentar, haverá menos dinheiro nesses fundos.

A 1ª regra é determinada pela Constituição Federal, no inciso 1 do artigo 157 e no inciso 1 do artigo 158. O texto diz o seguinte:

“DA REPARTIÇÃO DAS RECEITAS TRIBUTÁRIAS

Art. 157. Pertencem aos Estados e ao Distrito Federal:

I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem.Art. 158. Pertencem aos Municípios:

I – o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem.”

DIVERGÊNCIA ENTRE ENTES FEDERATIVOS

Dentro das entidades que representam Estados e municípios, há uma dúvida sobre os impactos da medida. Municípios menores, que dependem mais dos repasses dos fundos de participação do que da arrecadação própria, tendem a ser menos afetados porque esses recursos, em teoria, terão prioridade para serem compensados.

Já Estados e grandes municípios, como São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e suas capitais, sentirão um impacto maior. Nessas localidades, a arrecadação própria via IR retido na fonte é significativa, e a compensação com novos impostos que impactem os fundos de participação pode não ser suficiente para equilibrar as contas.

Atualmente, o teto salarial do serviço público é de R$ 44.008,52, equivalente ao salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Não há funcionários públicos ganhando mais de R$ 50.000 sem contar penduricalhos.

O economista e ex-secretário da Camex (Câmara de Comércio Exterior), Roberto Giannetti da Fonseca, afirma que os números refletem a arrecadação atual. Para ele, a medida do governo tem mérito, mas vem no momento errado e a um custo muito elevado.

A solução tributária que estão buscando para permitir o aumento da isenção a R$ 5.000 tem um custo fiscal bastante considerável. Por mais meritória que seja, não há espaço fiscal para isso”, disse Gianetti.

O professor de economia da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Piscitelli, ex-funcionário da Receita Federal, considerou os cálculos compatíveis com o cenário arrecadatório.

“[É um] raciocínio apropriado. Veja bem: é uma parte do IRRF sobre os salários entre o piso de isenção e R$ 5.000,00. O ganho sobre altas rendas corresponderá sobre a parcela do FPM e do FPE que for acrescida com o acréscimo da arrecadação do IR”, afirmou.

Segundo o presidente do Sindifisco (Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil), Dão Real, trata-se de uma alteração relevante devido ao número de funcionários que recebem até R$ 5.000 nas administrações regionais.

“Qualquer alteração no IR pelo governo federal, modificando os limites de isenção, afeta as retenções de Estados e municípios. Uma parte significativa dos servidores municipais e estaduais estão nessa faixa de renda”, declarou.

NOVA REFORMA TRIBUTÁRIA

Para Roberto Gianetti, o impacto da medida evidencia a necessidade de uma reforma tributária mais profunda, que desvincule os impostos federais dos estaduais e municipais. Ele defende que o Imposto de Renda seja exclusivamente federal, enquanto os impostos sobre consumo sejam direcionados a Estados e municípios.

Num segundo momento será hora de se propor o descruzamento tributário dos entes federados. E aí prevalecerá o IVA único exclusivamente dos entes estadual e municipal”, concluiu.

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