O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro (Partido Socialista Unido da Venezuela, esquerda), toma posse nesta 6ª feira (10.jan.2025) para o seu 3º mandato de 6 anos. O líder chavista de 62 anos governa o país desde 2013. Sua recondução à Presidência pode marcar um novo capítulo das tensões entre governo, oposição e comunidade internacional.
A cerimônia, realizada na Assembleia Nacional, terá 1.200 militares mobilizados. Segundo o coronel da Direção Geral Contra Espionagem Militar, Alexander Granko Arteaga, a medida se dá para “garantir a paz e a segurança” do país.
A cerimônia de posse de Maduro deve contar com a presença de poucos chefes de Estado. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve enviar a embaixadora do Brasil em Caracas, Gilvânia Maria de Oliveira, para a posse. Lula e Maduro, parceiros de longa data, não estão em bons termos.
O presidente brasileiro ainda não reconheceu a vitória do venezuelano desde o anúncio do resultado. Em agosto, o petista afirmou que Maduro ainda deve “uma explicação para a sociedade brasileira e para o mundo” a respeito da eleição.
Já o presidente venezuelano ficou desgostoso com o Brasil depois de o país ter vetado a entrada da Venezuela no Brics. Caracas considerou o ato como uma “agressão” e o Ministério das Relações Exteriores disse que o governo Lula manteve “o pior” do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O governo da Venezuela rompeu relações com pelo menos 8 países da América Latina desde que a Justiça do país declarou a vitória de Maduro: Argentina, Chile, Costa Rica, Peru, Panamá, República Dominicana, Uruguai e Paraguai.
Nem líderes de países aliados de Maduro devem estar presentes na posse. Na 3ª feira (7.jan), o governo da Bolívia disse que Luis Arce (Movimento ao Socialismo, esquerda) não deve comparecer à cerimônia e enviará representantes. A Rússia será representada por Viacheslav Volodin, presidente da Câmara baixa do Parlamento. A China, por Wang Dongming, vice-presidente do Comitê Permanente do Congresso Nacional do Povo.
PROTESTOS E PRISÃO DE CORINA
Milhares de venezuelanos foram às ruas para manifestarem contra Maduro na 5ª feira (9.jan). Os atos foram realizados em Caracas, Mérida e Chacao.
Imagens divulgadas no X (ex-Twitter) mostram cidadãos com bandeiras venezuelanas e gritando palavras como “liberdade” e “fora ditador” –em referência a Maduro. Eles também demostraram apoio a Edmundo González e exibiram cartazes escritos “Edmundo presidente”.
Durante os atos, a líder da oposição, Maria Corina, foi sequestrada por forças de segurança. Segundo sua equipes, ela foi “violentamente interceptada” depois de “agentes do regime” atirarem contra o traslado da política. Horas depois, Corina estava livre.
O ministro da Comunicação da Venezuela, Freddy Ñáñez, disse que a equipe de Maria Corina teria forjado a perseguição e os chamou de “fascistas”. Ele publicou um vídeo que circula nas redes sociais em que a opositora diz que está bem.
No entanto, a oposição alegou que Corina foi obrigada a gravar o registro. Ela não fazia aparições públicas há pelo menos 5 meses.
LEGITIMIDADE QUESTIONADA
Depois do anúncio da vitória de Maduro em 29 de julho de 2024, o resultado foi amplamente questionado pela oposição e por outros países. Segundo o CNE (Conselho Nacional Eleitoral), o chavista teve 51,2% dos votos contra 44% do candidato da oposição Emanuel González. No entanto, os opositores afirmam que o adversário do presidente teria obtido ao menos 67% dos votos nas urnas. Atas de votação, que são documentos públicos, foram usadas para fazer o cálculo.
Até agosto de 2024, ao menos 18 países e a União Europeia não reconheceram a reeleição de Maduro, entre eles a Argentina e os Estados Unidos. O Brasil, junto com o México e com a Colômbia, pediu que o governo venezuelano divulgasse os boletins de urnas com os resultados e não escalasse a tensão com a oposição. No entanto, não foi muito efetivo.
O governo tinha até 2 de setembro de 2024 para apresentar os detalhes do resultado eleitoral, conforme estabelecido pela Lei Orgânica dos Processos Eleitorais. O país não cumpriu o prazo, o que foi usado pela oposição para ratificar a tese de manipulação do pleito.
Com o imbróglio, o opositor Edmundo González foi intimado a depor 3 vezes por divulgar atas de votação. No entanto, os documentos, equivalentes ao boletim de urna que existe em eleições brasileiras, são disponibilizados a todos os representantes de partidos nos locais da votação. González, então, foi para a Espanha em setembro de 2024 e ficou exilado no país.
Em novembro, afirmou que estaria na Venezuela no dia da posse, mas a sua presença na cerimônia ainda é incerta. Estava na República Dominicana na 5ª feira (9.jan). Ele iniciou um tour por países das Américas neste mês –mas não incluiu o Brasil no roteiro. Se reuniu com os presidentes da Argentina, Javier Milei (La Libertad Avanza, direita), e dos Estados Unidos, Joe Biden (Partido Democrata).
Nos EUA, o opositor também esteve com congressistas norte-americanos. Entre eles, Mike Waltz, indicado pelo presidente eleito norte-americano, Donald Trump (Partido Republicano), a conselheiro de Segurança Nacional.
González se reuniu, ainda, com os líderes de Uruguai, Panamá, República Dominicana e com Luis Almagro, secretário-geral das OEA (Organização dos Estados Americanos).
Galeria: Edmundo González se reúne com líderes das Américas
Autoridades venezuelanas disseram que González seria preso caso “encostasse o dedo” na Venezuela. Também ofereceu uma recompensa de US$ 100 mil (cerca de R$ 613 mil, na cotação atual) por informações que levem à captura do opositor. Sua prisão foi determinada pela Justiça da Venezuela em 2 de setembro, pouco antes de ir para a Espanha.
VENEZUELA SOB MADURO
A Venezuela vive sob uma autocracia chefiada por Nicolás Maduro, 62 anos. Não há liberdade de imprensa. Pessoas podem ser presas por “crimes políticos”. A OEA publicou nota em maio de 2021 (PDF – 179 kB) a respeito da “nomeação ilegítima” do Conselho Nacional Eleitoral.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos relatou abusos em outubro de 2022 (PDF – 150 kB), novembro de 2022 (PDF – 161 kB) e março de 2023 (PDF – 151 kB). Relatório da Human Rights Watch divulgado em 2023 (PDF – 5 MB) afirma que 7,1 milhões de venezuelanos fugiram do país desde 2014.
Maduro nega que o país viva sob uma ditadura. Diz que há eleições regulares e que a oposição simplesmente não consegue vencer.
As eleições presidenciais realizadas em 28 de julho de 2024 são contestadas por parte da comunidade internacional. A principal líder da oposição, María Corina, foi impedida em junho de 2023 de ocupar cargos públicos por 15 anos. O Supremo venezuelano confirmou a decisão em janeiro de 2024. Alegou “irregularidades administrativas”que teriam sido cometidas quando era deputada, de 2011 a 2014, e por “trama de corrupção” por apoiar Juan Guaidó.
Corina indicou a aliada Corina Yoris para concorrer. No entanto, Yoris não conseguiu formalizar a candidatura por causa de uma suposta falha no sistema eleitoral. O diplomata Edmundo González assumiu o papel de ser o principal candidato de oposição.
O Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, controlado pelo governo, anunciou em 28 de julho de 2024 a vitória de Maduro. O órgão confirmou o resultado em 2 de agosto de 2024, mas não divulgou os boletins de urnas. O Tribunal Supremo de Justiça venezuelano, controlado pelo atual regime, disse em 22 de agosto de 2024 que os boletins não serão divulgados.
O Centro Carter, respeitada organização criada pelo ex-presidente dos EUA Jimmy Carter (1924-2024), considerou que as eleições na Venezuela “não foram democráticas”. Leia a íntegra (em inglês – PDF – 107 kB) do comunicado.
Os resultados têm sido seguidamente contestados pela União Europeia e por vários países individualmente, como Estados Unidos, México, Argentina, Costa Rica, Chile, Equador, Guatemala, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana e Uruguai. O Brasil não reconheceu até agora a eleição de Maduro em 2024, mas tampouco faz cobranças mais duras como outros países que apontam fraude no processo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a dizer não ter visto nada de anormal no pleito do país.
A Human Rights Watch criticou os presidentes Lula, Gustavo Petro (Colômbia) e Andrés Manuel López Obrador (México) em agosto de 2024. Afirmaram em carta enviada aos 3 ser necessário que reconsiderem suas posições sobre a Venezuela e criticaram as propostas dos líderes para resolver o impasse, como uma nova eleição e anistia geral. Leia a íntegra do documento (PDF – 2 MB).
A 1 dia da posse do presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, a notícia da prisão da líder opositora María Corina Machado virou centro de uma guerra de narrativas na Venezuela. Em um vídeo que circula nas redes sociais, María Corina afirma estar “bem e segura” após ser detida brevemente durante protestos em Caracas contra o governo nesta 5ª feira (9.jan.2025).
Porém, segundo a equipe de Corina, as declarações só foram feitas porque chavistas ameaçaram atirar na opositora e a forçaram a “gravar vários vídeos” antes de sua liberação. Em seu perfil no X (ex-Twitter), o Comando Nacional de Campanha da líder oposicionista também afirma que, “nas próximas horas, ela se dirigirá ao país para explicar os acontecimentos”. A opositora publicou um tuíte no fim da noite sobre o episódio (leia mais abaixo).
¡Atención! María Corina Machado desmiente detención pic.twitter.com/rfnLTupzRS
— Jesús Medina Ezaine (@jesusmedinae) January 9, 2025
“Estou bem, estou segura. Hoje é 9 de janeiro e participamos de uma concentração maravilhosa. Fui empurrada, minha bolsa caiu, a bolsinha azul onde estavam meus pertences caiu na rua, mas estou viva”, disse a líder da oposição venezuelana no registro.
No vídeo, María aparece com um casaco preto e com o rosto coberto por um capuz. Sentada no meio-fio, ela segura o que aparenta ser uma garrafa d’água e fala em tom baixo e trêmulo.
O governo de Nicolás Maduro contesta as acusações. Segundo o ministro das Comunicações, Freddy Ñáñes, a equipe da opositora é composta por “fascistas e arquitetos da enganação”. Dizem que Corina Machado forjou a perseguição.
“OUTRA FAKE NEWS DESMASCARADA! A manobra de distração midiática não é nova, portanto ninguém deveria se surpreender. […] Há poucos minutos, a direita vendeu a ideia de que María Corina Machado havia sido atacada e detida por ‘motociclistas do regime’. Diante do fracasso dessa mentira, eles mesmos vieram desmentir”, escreveu o ministro.
A vice-presidente da Venezuela, Delcy Rodríguez, também contestou a perseguição e prisão de María Corina. A número 2 do regime Maduro chamou a líder da oposição de “desequilibrada” e pediu para ela “procurar um emprego antes que a louca a consuma”.
Rodríguez também classificou a alegada prisão como um “show” criado para “encobertar o fracasso” das manifestações contra o governo nesta 5ª feira (9.jan).
Assista a imagens dos atos (2min43s):
CORINA SE MANIFESTA
Pelo X, María Corina prometeu se manifestar sobre o episódio na 6ª feira (10.jan). Ela agradeceu aos opositores que foram às ruas contra Maduro e disse estar em segurança.
“Meu coração está com o venezuelano que foi baleado quando as forças repressivas do regime me detiveram. Agora estou em um lugar seguro e com mais determinação do que nunca para continuar com vocês ATÉ O FIM! Amanhã contarei o que aconteceu hoje e o que está por vir. A Venezuela será LIVRE!”, publicou.