A cidade de Belford Roxo (RJ), na Baixada Fluminense, sintetiza a disputa antecipada entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), a respeito do cenário de 2026.
Hoje, Lula parece correr o risco de um de seus aliados mais importantes na Baixada Fluminense perder o comando da Prefeitura de Belford Roxo. Waguinho (Republicanos), que apoiou o petista na eleição pelo Planalto em 2022, não pode mais se reeleger (está no 2º mandato), lançou um parente para concorrer ao cargo e está sem sucesso nas pesquisas.
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O candidato de Waguinho é seu sobrinho Matheus, também filiado ao Republicanos. O concorrente direto é o deputado estadual Márcio Canella (União Brasil), que é aliado de Jair Bolsonaro e do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL). No único levantamento de intenção de voto registrado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em 2024, Canella está à frente de Matheus (apoiado por Waguinho) em todos os cenários.
Leia aqui a íntegra do estudo realizado pela Quaest com 614 eleitores de 14 a 15 de junho de 2024. O registro da pesquisa é RJ-06957/2024. A margem de erro é de 4 p.p (pontos percentuais) e 95% de confiança.
Nas intenções de voto para o 1º turno, em um cenário estimulado (quando o nome dos candidatos são apresentados), o deputado Márcio Canella está com 51% dos votos. O candidato Matheus, apoiado pelo prefeito Waguinho, tem 25%.
Numa simulação de 2º turno, Canella tem 55% das intenções de votos, enquanto Matheus pontua com 27%.
A disputa em Belford Roxo é muito importante para o governo Lula na Baixada Fluminense porque Waguinho é o principal aliado do petista na região. A área é composta por 13 municípios e muito influenciada pelo poder paralelo das milícias (grupos armados que atuam como polícia informal em várias regiões).
A Baixada Fluminense tem 13 cidades. Abriga 3,7 milhões de habitantes, dos quais 2,9 milhões são eleitores. Belford Roxo tem 483.087 habitantes (sendo 347.340 eleitores).
Em 2022, Lula perdeu em todas as 13 cidades da Baixada Fluminense, mas o apoio de Waguinho em Belford Roxo foi importante para que o petista colocasse um pé na região, que é uma das mais violentas no Estado do Rio de Janeiro e um reduto do bolsonarismo. É ali também que as igrejas evangélicas têm grande influência.
A mulher de Waguinho, a deputada federal Daniela Carneiro (União Brasil-RJ), chegou a ser nomeada ministra do Turismo de Lula no início do mandato do petista. Fotografias de Daniela em redes sociais com integrantes da milícia da Baixada Fluminense e sua desfiliação do União Brasil acabaram levando à perda do cargo.
O fato é que quase todos os políticos de relevância na Baixada Fluminense têm alguma relação com as milícias locais. No caso do deputado Márcio Canella, ele foi um dos responsáveis por indicar em 2023 o secretário de Polícia Civil do Rio de Janeiro, Marcus Amin, nomeado para o cargo pelo governador Cláudio Castro. A Polícia Civil fluminense tem um histórico de relação simbiótica com grupos milicianos.
Canella foi o deputado estadual mais bem votado no Rio de Janeiro, em 2022. Ele teve sólido apoio de Juracy Alves Prudêncio, o Jura –que é citado na mídia do Rio de Janeiro como líder da milícia “Somos Comunidade”, um dos grupos que atual na Baixada Fluminense.
Mesmo tendo demitido Daniela do cargo de ministra do Turismo me 2023, Lula seguiu aliado de Waguinho e da deputada. Em 6 fevereiro de 2024, Lula foi até Belford Roxo e fez uma série de elogios ao prefeito e a sua mulher, que é conhecida e se apresenta como Daniela do Waguinho.
“Uma cidade que tem um prefeito da qualidade do Waguinho, que não teve medo dos negacionistas, não teve medo dos malucos e resolveu me apoiar em 2022. Não esqueço nunca a noite em que eu vim aqui, trazido pelo André Ceciliano. Eu tive a oportunidade de conhecer você e a Daniela. Se ninguém acredita, eu posso dizer que amor à primeira vista existe e foi o que aconteceu na minha relação e da Janja com você e a Dani”, disse Lula em fevereiro deste ano de 2024, depois de ter almoçado com Waguinho e Daniela.
LULA X BOLSONARO
Nos últimos dias, Márcio Canella e Daniela do Waguinho trocaram ofensas por meio de vídeos gravados e publicados em seus perfis na redes sociais.
A eleição em Belford Roxo, entretanto, ultrapassa os limites da cidade. A acirrada disputa agora em 2024 só existe porque o grupo político do Cláudio Castro e do bolsonarismo no Rio de Janeiro querem tomar a prefeitura dessa cidade porque ali acabou virando um símbolo da resistência pró-Lula em 2022.
Só que a cidade não é um bastião lulista (até porque o presidente não venceu lá). Belford Roxo representa na realidade a força do prefeito Waguinho –que tem, de acordo com a própria pesquisa Quaest citada acima, uma alta taxa de aprovação para sua gestão.
O que os 2 grupos (lulistas e bolsonaristas) querem é nacionalizar a disputa. O grupo de Castro e de Bolsonaro deseja tirar Waguinho de Belfort Roxo e assim se fortalecerem para as eleições de 2026 (para governador e presidente da República).
Lula sabe disse e entende que precisa tentar ao máximo manter um “enclave” dentro da Baixada Fluminense, com um aliado comandando Belfort Roxo. O governo federal já definiu projetos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) que totalizam cerca de R$ 2,5 bilhões para a região. Se isso for adiante, Belford Roxo terá o maior programa de investimentos da história da cidade.
A eleição para a Prefeitura de Belford Roxo é a mais emblemática da Baixada Fluminense em 2024.
De um lado está o prefeito Waguinho, que enfrentou solitariamente o bolsonarismo em 2022 e fez uma gestão agora bem avaliada. Do outro lado, o bolsonarismo tenta antecipar a eleição de 2026 lançando o deputado Márcio Canellla para tomar a cidade.
Apesar de liderar a pesquisa de intenção de voto, Canella tem um problema de difícil solução: é oposição ao governo federal e sua vitória pode colocar em risco o enorme programa de investimentos para Belford Roxo.
Se Márcio Canella vencer em outubro, Belford Roxo ficará na oposição ao governo federal. Waguinho e seu candidato para sucedê-lo vão explorar isso ao máximo durante a campanha deste ano.
O principal argumento do prefeito Waguinho para os eleitores é assim: “Quem quiser votar no Lula em 2026, vota no Lula. Quem quiser votar no Bolsonaro, vota no Bolsonaro. Este ano [2024] vamos votar a favor de Belford Roxo. E o melhor para Belford Roxo é manter uma boa relação com o governo federal, que demoramos quase uma década para construir”.
Como se observa na frase do prefeito, ele não fala em boa relação com Lula. Fala em “boa relação com o governo federal”.