Barroso diz que há “problema de política interna” nos EUA

O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Roberto Barroso, afirmou que há um “problema de política interna” nos Estados Unidos quando perguntado sobre o relatório Comissão de Assuntos Judiciários da Câmara dos Deputados do país sobre a atuação de Alexandre de Moraes.

Na 4ª feira (17.abr.2024), a Câmara dos EUA publicou um relatório em que acusa Moraes de “censurar” qualquer oposição brasileira com “uma plataforma de crítica” ao atual “governo de esquerda”, em referência ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Eis a íntegra (PDF –  37 MB).

Barroso foi questionado por jornalistas nesta 5ª feira (18.abr.2024) durante lançamento de exposição no STF. Avaliou que não há problema na Corte brasileira, mas, sim, na política norte-americana.

Mais cedo, o STF disse que o relatório não traz decisões fundamentadas de Moraes que determinaram a remoção de perfis ou conteúdos. Argumentou que os documentos são ofícios enviados às plataformas para o cumprimento das determinações do ministro, mas não mostram a íntegra com os motivos que levaram à decisão. Em comparação, é como se fosse divulgado o mandado de prisão, sem a decisão que fundamentou a prisão.

“Todas as decisões tomadas pelo STF são fundamentadas, como prevê a Constituição, e as partes, as pessoas afetadas, têm acesso à fundamentação. Só fazendo esse esclarecimento, uma vez que tem gente acessando o relatório que não tem muita familiaridade com o funcionamento do tribunal“, diz o STF.

O QUE DIZ O RELATÓRIO

Intitulado “O ataque à liberdade de expressão no exterior e o silêncio da administração Biden: o caso do Brasil”, o documento é assinado pelo republicano Jim Jordan, aliado político do ex-presidente Donald Trump. O texto foi publicado depois de o X (ex-Twitter) enviar à comissão um compilado de pedidos feitos pela Suprema Corte e pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) para que a rede social derrubasse perfis e conteúdos na plataforma.

“Os registros revelam que, pelo menos desde 2022, o Supremo Tribunal Federal no Brasil, onde Moraes atua como juiz, e o Tribunal Superior Eleitoral do Brasil, também liderado por Moraes, ordenaram que a X Corp suspendesse ou removesse quase 150 contas na plataforma. A maior parte das demandas de censura foram direcionadas especificamente a críticos do atual governo brasileiro”, diz o relatório.

O documento menciona o embate entre X e Moraes que se segue desde que Elon Musk, dono da rede social, chamou Moraes de “ditador” e disse que o ministro deveria sofrer impeachment. Diz também que, segundo relatórios da plataforma, o X está sendo “forçado” por decisões judiciais a bloquear certas contas no país.

A comissão lista os nomes dos principais prejudicados pela dita “censura” de Moraes na plataforma. Dentre eles está o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O documento também menciona os deputados federais Carla Zambelli (PL-SP) e Marcel Van Hattem (Novo-RS) e os senadores Alan Rick (União-AC) e Marcos do Val (Podemos-ES) como outros nomes ameaçados pelas medidas do ministro.

Segundo o documento, uma das frases do influenciador Bruno Aiub Monteiro, conhecido como Monark, que levou o ministro a tomar a decisão de censurá-lo foi: “Vemos o TSE [Tribunal Superior Eleitoral] censurando pessoas, vemos Alexandre de Moraes prendendo pessoas”. O documento não cita a frase completa, em que Monark fala também em desconfiança com a“maracutaia” que estaria “acontecendo nas urnas”sem apresentar provas das alegações.

Com base na declaração do influenciador, o relatório conclui: “Em outras palavras, Moraes ordenou a censura de um cidadão brasileiro por criticar Moraes por censurar brasileiros”.

O colegiado afirma que o presidente dos EUA, Joe Biden, toma as mesmas medidas de Moraes com a população norte-americana. Diz que o democrata compactua com a “onda de ataques à liberdade de expressão” ao redor do mundo.

“O Congresso deve levar a sério as advertências do Brasil e de outros países que buscam suprimir discursos no ambiente on-line. Nunca devemos pensar que isso não pode acontecer aqui. A comissão e a subcomissão selecionadas conduziram uma supervisão ostensiva emitindo intimações, realizando apuração de fatos e convocando múltiplas audiênciaspara esclarecer a censura induzida pelo governo nos Estados Unidos e para informar soluções legislativas adicionais”, diz o texto.

Ao todo, o relatório fala em “mais de 300 contas que o governo brasileiro está tentando pressionar o X e outras redes sociais a censurar”. Além de Bolsonaro e dos congressistas supracitados, o documento também menciona:

  • a ex-deputada federal Cristiane Brasil, que teve as redes suspensas no mesmo dia em que a Polícia Federal realizou uma operação contra seu pai, o também ex-deputado Roberto Jefferson, na véspera do 2º turno das eleições de 2022. Jefferson recebeu os agentes a tiros e granadas,mas se entregou e foi preso;
  • o influenciador e candidato a deputado pelo Rio Ed Raposo, multado pelo TSE por desinformação por associar Lula à morte do ex-prefeito de Santo André Celso Daniel, então coordenador do programa de governo lulista à Presidência. Celso Daniel foi assassinado a tiros em janeiro de 2002. Conforme investigação do Ministério Público, ele teria virado alvo após tentar barrar um esquema de propina que favorecia o PT. O caso, porém, foi interpretado como um crime comum e levou à prisão de 6 homens;
  • o jornalista Guilherme Fiuza, que teve seus perfis no Instagram, YouTube, Facebook e X bloqueados no início de janeiro de 2023 por decisão de Moraes ligada ao inquérito das fake news (4.781). Ele era um dos comentaristas do programa “Os Pingos nos Is”, da rádio Jovem Pan, frequentemente crítico ao governo Lula;
  • o jornalista Paulo Figueiredo Filho, também comentarista da Jovem Pan e um dos colaboradores do blog Terça Livre. Ele teve o passaporte retido e as contas bancárias bloqueadas igualmente em janeiro de 2023. Também foi alvo da operação Tempus Veritatis da PF e é citado como um dos propagadores de desinformação em favor de Bolsonaro. Figueiredo Filho é neto do ex-presidente João Figueiredo (1918−1999), o último da ditadura militar (1964−1985);
  • o jornalista Rodrigo Constantino, colunista da Gazeta do Povo, também comentarista da Jovem Pan e apresentador do canal Tudo Consta, hospedado no YouTube. Seus perfis também foram bloqueados e seu passaporte apreendido na mesma decisão que afetou Fiuza e Figueiredo Filho;
  • o jornalista e escritor Flávio Gordon, que teve a conta no X suspensa em agosto de 2021 por suposta violação dos termos e condições de uso. Ele foi readmitido em junho de 2022 após vencer ações judiciais que alegavam censura da plataforma;
  • a jornalista e candidata a deputada pelo Distrito Federal Elisa Robson, suspensa do X em janeiro deste ano;
  • a juíza Ludmila Lins Grilo, aposentada compulsoriamente pelo TJMG(Tribunal de Justiça de Minas Gerais) em maio de 2023. Ela foi crítica à política de saúde adotada durante a pandemia, como o uso de máscaras, e também à atuação considerada persecutória do Supremo. Em uma das publicações, chamou Moraes e o ministro Roberto Barroso de “perseguidores-gerais da República”. Teve seu perfil nas redes suspenso posteriormente;
  • o procurador de Justiça Marcelo Rocha Monteiro, investigado por manifestações políticas e por participar e discursar no ato bolsonarista do 7 de Setembro de 2022 na orla de Copacabana, no Rio. Na ocasião, disse que os ministros do STF seriam golpistas e disparou críticas contra a Justiça Eleitoral; e
  • o cantor gospel Davi Sacer, que compartilhou uma publicação com o endereço do hotel em que magistrados do Supremo estavam em Nova York para participar da Lide Brazil Conference, em novembro de 2022. Na ocasião, brasileiros que estavam na cidade passaram a perseguir os ministros, colecionando episódios de hostilidade envolvendo Barroso, Gilmar, Lewandowski e Moraes.
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