Nome não é consenso entre aliados; frase sobre atuação de PM na periferia também é vidraça do coronel Mello Araújo
Ricardo Mello Araújo e Bolsonaro, em 2020
Nome indicado por Jair Bolsonaro (PL) para a vaga de vice de Ricardo Nunes (MDB) nas eleições deste ano, o ex-chefe da Rota coronel Mello Araújo tem em seu histórico a “militarização” da Ceagesp, uma declaração controversa sobre a atuação da polícia na periferia e ainda o peso de levar a segurança pública aos holofotes da disputa municipal, um tema sensível para campanha do atual prefeito de São Paulo.
O martelo sobre o vice não deve ser batido antes do meio do ano, ainda mais em meio ao andamento da investigação da Polícia Federal que mira Bolsonaro e seus aliados sob a suspeita de tramarem um golpe de estado em 2022 para impedir a posse do presidente Lula (PT) na Presidência da República.
Por ora, a indicação do policial militar gerou ruídos no entorno de Nunes e partidos aliados, onde o coronel não tem a mesma aceitação que entre os chamados bolsonaristas raiz.
Para aliados, o oficial da reserva da Polícia Militar foi o responsável por colocar ordem na Ceagesp durante o governo Bolsonaro.
Por outro lado, a gestão dele no centro de distribuição é acusada por sindicalistas de militarizar o espaço e promover abusos. O Ministério Público do Trabalho informou à Folha ter ajuizado uma ação contra a Ceagesp com base nos relatos.
Mello Araújo foi nomeado diretor da Ceagesp em 2020 e permaneceu no cargo no restante da gestão Bolsonaro. Durante sua administração, diversos policiais aposentados passaram a atuar em cargos comissionados no órgão –parte das posições também foi preenchida por concursados.
Os relatos de sindicatos que representam categorias que atuam na companhia dão conta do uso de agentes para intimidar servidores e sindicalistas.
Uma representação do Sindbast (Sindicato dos Empregados em Centrais de Abastecimento de Alimentos do Estado de São Paulo) afirmou que três funcionários teriam sido coagidos a pedir demissão enquanto um dos aliados de Mello Araújo ameaçava expô-los como ladrões em um programa de televisão.
Em outro caso, a denúncia foi de abordagem armada a membros do Sindicar (Sindicato dos Carregadores Autônomos), conforme vídeo divulgado pela revista Carta Capital. A alegação para sustentar uma das abordagens é que havia suspeitas sobre o uso de arma e denúncia de extorsões.
A reportagem procurou o policial para comentar o tema, mas ele não quis dar entrevista.
Mello Araújo afirmou à Revista Oeste que a Ceagesp era “um caso de polícia”. Ao fim de sua gestão no órgão, a companhia destacou como uma das marcas da passagem dele pelo órgão o “avanço no combate à corrupção”.
A presidente do Sincaesp (sindicato de permissionários), Aderlete Cristina Maçaira, disse à Folha que a gestão do policial melhorou a segurança, o combate à corrupção e a organização da companhia.
Bolsonaro usou a gestão de Mello Araújo à frente do órgão como um dos pontos para justificar a indicação do aliado a Nunes. Nos dois anos que passou à frente da companhia, o policial aproveitou para reforçar os laços com o presidente e demonstrar fidelidade.
Em 2021, a Ceagesp chegou a publicar um vídeo em suas redes sociais em que Mello Araújo pede aos permissionários sob sua administração que pendurassem bandeiras do Brasil em seus boxes e também em suas casas durante o feriado de 7 de Setembro. Esse tipo de manifestação, na ocasião, tinha caráter de demonstração de apoio a Bolsonaro.
O ex-presidente, embora preferisse a candidatura do deputado federal Ricardo Salles (PL-SP) à prefeitura, afirmou que caberá ao atual prefeito avalizar ou não a sua indicação e que, em caso positivo, o apoio a ele está consolidado.
Caso o nome dele se consolide mesmo, além da atuação na Ceagesp, um ponto que será usado pela oposição é uma declaração de Mello Araújo na qual defendeu a diferença de tratamento em abordagens policiais nos Jardins (área nobre de São Paulo) e na periferia.
“É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado”, disse ao UOL em 2017.
Na ocasião, ele havia assumido como chefe da Rota, batalhão de elite da PM paulista também conhecido pelo alto grau de letalidade e relatos de violência policial.
É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia], da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado
Coronel Mello Araújo, indicado por Bolsonaro para a vice de Nunes
em entrevista ao UOL, em 2017
Nunes costuma citar ser ele próprio, e não Boulos, o verdadeiro representante da periferia. O prefeito fez carreira política na zona sul paulistana.
O episódio controverso sobre abordagem policial se soma à interpretação entre parte do grupo de Nunes de que o nome de Mello Araújo também ajuda a trazer para o centro da campanha a segurança pública, uma atribuição do governo estadual.
O entorno do prefeito, porém, tem argumentado que o nome de Mello Araújo é apenas 1 entre 4 sugeridos pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Além disso, a convenção que definiria o nome só acontecerá no início do segundo semestre –até lá, os nomes lançados sofrerão chuva de ataques.
Também é levado em consideração que o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) ainda não deu sua opinião sobre o vice, o que pode pesar na decisão.
A companha de Guilherme Boulos (PSOL), principal adversário de Nunes, enxerga uma eventual escolha do policial como um ponto que favorece a estratégia traçada de apostar na polarização nacional –trata-se de alguém diretamente ligado a Bolsonaro, em uma cidade que elegeu Lula.
O prefeito vai encomendar uma pesquisa qualitativa a respeito dos quatro nomes sugeridos por Valdemar. Além do policial, foram mencionados o deputado estadual Tomé Abduch (Republicanos-SP), a secretária estadual de Políticas para a Mulher Sonaira Fernandes (Republicanos-SP) e a delegada Raquel Gallinati.