A decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes que autorizou a operação da PF (Polícia Federal) Tempus Veritatis, ocorrida na 5ª feira (8.fev.2024), cita 15 trechos com indícios de planejamento de um golpe de Estado. Leia a íntegra da decisão (PDF – 8 MB).
Leia mais abaixo os 15 trechos com declarações em trocas de mensagens de militares por WhatsApp e falas do então presidente Jair Bolsonaro (PL) e de ministros em reunião no Palácio do Planalto em 5 de julho de 2022, gravada em vídeo.
Há divergência de advogados quanto ao fato de as declarações indicarem ou não a tentativa de um golpe de Estado, com o suposto objetivo de conseguir a permanência de Bolsonaro no poder a partir de 2023 mesmo sem vencer as eleições de 2022.
INSUFICIENTE PARA CONDENAR
Na avaliação do advogado André Marsiglia, as declarações e trocas de mensagens mostram indícios de que as pessoas envolvidas pretendiam fazer ações que poderiam ser ilegais. Mas ele diz que as frases são insuficientes para demonstrar que houve crime.
“Inequivocamente vemos alguma medida sendo discutida e planejada, mas não se pode afirmar pelas provas que se tratava de um golpe, nem que ele tenha saído do campo do planejamento para o da tentativa. Embora o crime de abolição do Estado admita sua forma tentada, ‘tentar’ é diferente de ‘planejar’. É um passo além do planejamento, é dar início ao ato, à conduta”, afirmou Marsiglia.
Ele mencionou que esse tipo de planejamento inimputável existe em outras ações. “Políticos eleitos se reunirem para planejar algo que não sejam políticas públicas, algo que esteja além de suas funções, é extremamente lamentável, mas, ainda assim, não é suficiente para configurar o ato como ilícito”, disse.
Essas ações, afirmou Marsiglia, podem ser levadas em conta pelos eleitores em suas escolhas. “O preço da conduta indevida deve ser pago nas urnas, não nos tribunais”, afirmou. Em seguida aos trechos, há avaliações específicas de Marsiglia.
RELAÇÃO COM OUTRAS PROVAS
Na avaliação do advogado Marco Aurélio de Carvalho, as mensagens e declarações demonstram tentativa de golpe de Estado. “Não há qualquer dúvida no cotejo das mensagens trocadas entre os personagens desse triste episódio que houve clara tentativa de atentado à democracia e às instituições do Estado de Direito. Elas merecem ser rigorosamente apuradas e devidamente responsabilizadas. Nós deixamos para trás um passado doloroso dos chamados Anos de Chumbo. Não podemos dialogar com qualquer tentativa de voltar a restaurar no país um regime ditatorial”, afirmou.
Carvalho disse que as declarações e mensagens devem ser avaliadas em conjunto com outras informações reveladas antes: “É importante dizer que apenas a reunião ministerial não configura por si só uma tentativa de golpe, embora ela própria revele um planejamento bem criterioso, com tarefas e papéis claramente definidos. De toda sorte, é óbvio que não ficou só na reunião, e muito menos no infeliz 8 de Janeiro. Tivemos inúmeros bloqueios de estrada após as eleições, e incêndios na diplomação. A bomba no aeroporto não foi um ato isolado”.
O advogado citou também o texto que poderia vir a ser um decreto de estado de sítio para favorecer a permanência de Bolsonaro no poder mesmo sem ter vencido as eleições. “As minutas golpistas trocadas com Filipe Martins e revisadas por Bolsonaro foram apenas mais um triste episódio na lamentável novela dos atentados à nossa democracia. Enfim, um conjunto de atos com o mesmo objetivo. Devem ser rigorosamente apurados e penalizados”, afirmou. Em seguida aos trechos, há avaliações específicas de Carvalho.
TRECHOS CITADOS NA DECISÃO
Abaixo, trechos do despacho do ministro Alexandre de Moraes, incluindo citações da investigação da PF, com possível indicação de planejamento de um golpe de Estado. Algumas frases foram agrupadas. Em outras, há correções ortográficas.
Mensagens trocadas por WhatsApp
- 1º.nov.2022 (pág. 24)
Segundo o despacho, conversam sobre disseminação de notícias falsas por integrantes das Forças Armadas para tirar a credibilidade do processo eleitoral:
Coronel Bernardo Romão – “Alguma evolução que nos deixe otimista?”;
Tenente-coronel Mauro Cid – “Até agora nada. Nenhuma bala de prata. Por mais que tudo pareça”.
- 3.nov.2022 (pág. 77)
Segundo o despacho, o tenente-coronel Hélio Ferreira Lima responde ao tenente-coronel Mauro Cid, que diz não terem sido encontrados sinais de fraude nas urnas:
Tenente-coronel Mauro Cid (transcrição de áudio) – “A gente já conversou com esse cara aí que fez essa… essa análise aí. E… tá difícil tirar alguma coisa. Tá difícil ter alguma prova. Porque assim, na verdade, tudo tem justificativa. […] Por mais que os números estejam esdrúxulos demais… tá difícil encontrar algo que você consiga ter, ter substância. Se a gente não conseguir dar substância pro… pras inserções de rádio e TV, que era uma das coisas mais esdrúxulas e aparentes, quanto mais das outras coisas”;
Tenente-coronel Hélio Ferreira Lima – “Jogo a toalha então? Foi tudo errado. Eu sei que tentaram levar até o fim sem quebra institucional. Mas foi tudo fora da lei do lado de lá. Chega, irmão!”.
- 14.nov.2022 (pág. 39)
Segundo o despacho, conversam sobre custos para transportar pessoas para manifestação em Brasília:
Tenente-coronel Mauro Cid – “Só faz uma estimativa com hotel, alimentação, material. 100 mil”?;
Major Rafael de Oliveira – “OK!! Em torno disso”;
Tenente coronel Mauro Cid – “Para trazer o pessoal do Rio”;
Major Rafael de Oliveira – “Pode ser preciso também”;
Tenente coronel Mauro Cid – Vai precisar”.
- 23.nov.2022 (pág. 25)
Segundo o despacho, conversam sobre a adoção de “medidas radicais”:
Tenente-coronel Mauro Cid (áudio transcrito) – “Eles conseguiram ali, descriptografando (sic), os dados que o Lula depois das 17 horas teve 7 milhões de votos”;
Coronel Bernardo Romão – “Eu entendo, velho. Mas se ele cagar, que é o que eu acho que vai acontecer? Ninguém tem o poder de fazer nada. Na verdade, teria. Mas não quer fazer”.
- 29.nov.2022 (pág. 93)
Segundo o despacho, a frase do tenente-coronel Sergio Cavaliere sobre os militares que estavam pressionando outros militares “não alinhados à iniciativa de golpe”:
Tenente-coronel Sergio Cavaliere – “Espero que o PR não se esqueça dos que estão indo para o sacrifício”.
- 15.dez.2022 (pág. 113)
Segundo o despacho, em troca de mensagens com o ex-major Ailton Barros (expulso do Exército), o general Walter Braga Netto mostra participar da incitação de integrantes das Forças Armadas para aderirem à tentativa de golpe:
General Walter Braga Netto – “Meu amigo, infelizmente tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá é do general Freire Gomes [então comandante do Exército]. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”;
Ex-major Ailton Barros (expulso do Exército) – “Então vamos continuar na pressão e se isso se confirmar vamos oferecer a cabeça dele aos leões”;
General Walter Braga Netto – “Oferece a cabeça dele. Cagão”.
- 15.dez.2022 (pág. 46)
Segundo o despacho, o tenente-coronel Mauro Cid e o coronel Marcelo Câmara conversam sobre a localização do ministro Alexandre de Moraes:
Tenente-coronel Mauro Cid – “Algo?”;
Coronel Marcelo Câmara – “Viajou pra SP hoje, retorna na manhã de segunda-feira e viaja novamente pra SP no mesmo dia. Por enquanto só retorna a Brasília pra posse do ladrão. Qualquer mudança que saiba lhe informo”.
Transcrições no despacho de declarações durante reunião no Palácio do Planalto (5.jul.2022)
- Pág. 60
Presidente Jair Bolsonaro – “Eu tenho falado com os meus 23 ministros. Nós não podemos esperar chegar 23, olhar para trás e falar: o que que nós não fizemos para o Brasil chegar à situação de hoje em dia? Nós temos que nos expor. Cada um de nós. Não podemos esperar que outros façam por nós. Não podemos nos omitir. Nos calar. Nos esconder. Nos acomodar. Eu não posso fazer nada sem vocês. E vocês também patinam sem o Executivo. Os Poderes são independentes, mas nós dois somos irmãos. Temos um primo do outro lado da rua que tem que ser respeitado também. Mas todo mundo que quer ser respeitado tem que respeitar em primeiro lugar. E nós não abrimos mão disso”.
- Pág. 62
Presidente Jair Bolsonaro – “Porque os caras tão preparando tudo, pô! Pro Lula ganhar no primeiro turno, na fraude. Vou mostrar como e por quê. Alguém acredita aqui em Fachin, Barroso, Alexandre de Moraes? Alguém acredita? Se acreditar levanta o braço! Acredita que eles são pessoas isentas, tão preocupado em fazer justiça, seguir a Constituição? De tudo que são … Tão vendo acontecer?”.
- Pág. 63
Presidente Jair Bolsonaro – “Não tem como esse cara ganhar a eleição no voto. Não tem como ganhar no voto. Também, eu não vou passar aqui, em 2014 foi aprovado o voto impresso no Congresso, tá fora do foco, né, fora da … do radar nosso, nem lembrava disso, que depois também o nosso Supremo derrubou. O nosso Supremo aqui é um Poder à parte. É um super Supremo. Eles decidem tudo. Fora … Muitas vezes fora das quatro linhas”.
- Pág. 66
General Walter Braga Netto – “Senhores, só observar que saiu uma notícia agora dizendo … o Fachin dizendo que auditoria não muda resultado de eleição. Não sei se os senhores já viram isso”;
Ministro Anderson Torres (Justiça): “Depois que der merda, não muda nada não”.
- Pág. 67
Ministro Paulo Sérgio de Oliveira (Defesa) – “Esses comentários aqui eu peço que fiquem entre a gente. Eu tô aqui muito cioso, como falei antes, justamente porque é uma reunião aberta e que são assuntos bem sensíveis. […] Vou falar aqui muito claro. Senhores! A comissão é pra inglês ver. Nunca essa comissão sentou numa mesa e discutiu uma proposta. É retórica, discurso, ataque à democracia”.
- Pág. 68
Presidente Jair Bolsonaro – “OAB vai dar credibilidade pra gente, tá? Polícia Federal […] uma nota conjunta com vocês, com vocês que até o presente momento, dadas as condições de se definir a lisura das eleições são [sic] simplesmente impossíveis de ser atingidas. E o pessoal assina embaixo.”
- Pág. 69
General Mário Fernandes sobre a proposta de estabelecimento de uma comissão dos Três Poderes para acompanhar as eleições – “Então, tem que ser antes. Tem que acontecer antes. Como nós queremos. Dentro de um estado de normalidade. Mas é muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país pensando assim, pra que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior da conturbação no ‘the day after’, né? Quando a fotografia lá for de quem a fraude determinar”.
- Pág. 70
Ministro Augusto Heleno (GSI) – “Não vai ter revisão do VAR. Então, o que tiver que ser feito tem que ser feito antes das eleições. Se tiver que dar soco na mesa é antes das eleições. Se tiver que virar a mesa é antes das eleições. […] Eu acho que as coisas têm que ser feitas antes das eleições. E vai chegar a um ponto que nós não vamos poder mais falar. Nós vamos ter que agir. Agir contra determinadas instituições e contra determinadas pessoas. Isso pra mim é muito claro”.
ANÁLISES ESPECÍFICAS DE MARSIGLIA
- Sobre as mensagens entre o coronel Bernardo Romão e tenente-coronel Mauro Cid: “Vejo nas mensagens insatisfação e frustração. Acreditar que o ‘teria algo a fazer’ se refere ao golpe é uma suposição apenas”;
- sobre as mensagens entre Rafael de Oliveira e Mauro Cid e entre Câmara e Mauro Cid: “Parece haver intenção de planejar ou participar dos atos do dia 8 [de janeiro de 2023]. Mas nada concreto ou efetivo. Também não encontro liame entre planejar e intencionar que seu resultado seja um golpe de Estado. Não cabe ao juiz costurar lacunas entre as provas para chegar a determinada conclusão. Se o que lhe é disposto gera alguma mínima dúvida, deve considerar insuficiente a acusação ou insistir na continuidade da investigação sem antecipar medidas de força ou restritivas”;
- sobre as declarações na reunião no Planalto: “Inequivocamente se questiona a legitimidade das urnas e a saúde do processo eleitoral brasileiro, algo que o TSE tem entendido como ato antidemocrático ilícito. Entendo diferente, vejo o questionamento como concernente ao universo de direitos abarcados pela liberdade de expressão constitucional. Questionar a democracia e seus procedimentos, sem a violar, não deixa de ser democrático. Não há nos trechos provas de que se tentou concretamente violar a democracia e o Estado”.
ANÁLISES ESPECÍFICAS DE CARVALHO
- Sobre a troca de mensagens do ex-major Ailton de Barros (expulso do Exército) e o general Walter Braga Netto: “É constrangedora e criminosa. Há clara tentativa de incitação da ordem constitucional vigente, que merece ser rigorosamente apurada e punida”;
- sobre o conjunto de mensagens e de declarações: “Para que situações parecidas não voltem a ocorrer em um futuro próximo, ou mesmo distante, é fundamental que o episódio seja rigorosamente punido e que os responsáveis sejam devidamente penalizados. É indispensável que nós responsabilizemos o braço empresarial dessa operação frustrada e, da mesma forma, o braço político e o braço militar. No caso dos militares, em especial, é fundamental que seja instaurado procedimento administrativo, que eles possam se defender, porque é necessário o devido processo legal, o direito de defesa e a presunção de inocência para todo e qualquer cidadão. Mas, após apurada a culpa, é fundamental que eles sejam colocados à disposição, mandados rigorosamente embora a bem do serviço público, com prejuízo de vencimentos”.