O general da reserva Walter Braga Netto (PL), ex-ministro da Defesa e vice na chapa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em 2022, foi preso no sábado (14.dez.2024). Novas informações apresentadas pela PF (Polícia Federal) embasaram a fundamentação da prisão preventiva. Especialistas ouvidos pelo Poder360, contudo, disseram que nenhum fato apresentado pela PF é novo. Portanto, dizem que não legitimam a decretação da prisão. Outros especialistas disseram que a prisão se justifica porque a investigação está em andamento.
Os novos elementos dizem respeito à obtenção de um registro de mensagens trocadas entre Braga Netto e o pai de Mauro Cid, em agosto de 2023, e à obtenção de um documento achado na sede do PL (Partido Liberal), na mesa do coronel da reserva Flávio Peregrino, assessor de Braga Netto, acerca da delação do colaborador Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro. (entenda abaixo).
Os argumentos da PF e do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, que autorizaram a operação para prender Braga Netto, mostram que o novo depoimento prestado por Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, apresentou elementos que permitiriam caracterizar a “conduta dolosa” de Braga Netto, no sentido de “impedir ou embaraçar” as investigações em curso ao intimar Mauro Cid por informações. Isso pode configurar o delito previsto no §1º do art. 2º da Lei 12.850 de 2013.
Segundo o doutor em direito e articulista do Poder360 Rodrigo Chemim, é possível dizer que, juridicamente, a decisão está carente de fundamentação para a decretação da prisão preventiva, uma vez que não cumpre o que estabelece a lei processual penal brasileira.
Chemim explicou que o Pacote Anticrime, instituído por lei mais recente (lei 13.964 de 2019) do que a citada por Moraes na decisão, inseriu dispositivos nos artigos 312 e 315, ambos do Código de Processo Penal, exigindo a existência de uma situação “contemporânea” para a decretação.
Eis os dispositivos:
“Art. 312. § 2º A decisão que decretar a prisão preventiva deve ser motivada e fundamentada em receio de perigo e existência concreta de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada.
Art. 315. § 1º Na motivação da decretação da prisão preventiva ou de qualquer outra cautelar, o juiz deverá indicar concretamente a existência de fatos novos ou contemporâneos que justifiquem a aplicação da medida adotada”.
Os artigos, com redação praticamente idênticas, tratam das fundamentações para decretação da prisão preventiva. No caso de Braga Netto, a fundamentação da PF para argumentar o “embaraçamento das investigações” diz respeito a interações do general com o pai de Cid para saber o conteúdo da sua delação premiada.
“Ainda que possa ter havido um ato de intervenção do general para ‘embaraçar’ a investigação, considerando que esse único ato indicado na decisão do ministro Alexandre ocorreu em 8 de agosto de 2023 e já se passou mais de ano sem notícia de outro ato do mesmo teor, não persiste a contemporaneidade da medida de prisão preventiva”, afirma Chemim.
O advogado constitucionalista e articulista do Poder 360 André Marsiglia também disse que os indícios de obstrução de investigação na decisão de prender de Braga Netto são antigos, portanto, não poderiam ter sido usados como justificativa para a decretação.
“Se é um ato pretérito, não pode ser justificativa para a prisão porque não tem efeito no presente. [Além disso], a delação não pode ser o único elemento. Serviria para ensejar novos atos investigatórios [para verificar se há obstrução de fato]. Há uma confusão na leitura da Política Federal, da Procuradoria Geral da República e do ministro [Alexandre de Moraes]”, declara Marsiglia.
O advogado afirmou que a prisão do general é “tecnicamente errada”, uma vez que a preventiva “não é pena, é ato assecuratório”, para assegurar a investigação ou a ordem quando acontece a obstrução.
O professor de direito constitucional na Universidade Mackenzie Alessandro Soares disse que a decisão veio de um novo depoimento de Mauro Cid, assegurando a contemporaneidade da situação que levou à prisão preventiva.
“O problema é que a colaboração era recente, o inquérito está em andamento, e Braga Netto, como general investigado, ao solicitar e buscar informações junto à família de Mauro Cid, provoca diversos impactos na investigação”, afirma Soares.
Ricardo Jacobsen Gloeckner, especialista em direito processual penal e professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul), também defendeu que a conduta é contemporânea, pelo fato recente do novo depoimento.
“Ela é uma decisão amparada por uma conduta contemporânea de um suspeito do cometimento de um crime que, na tentativa de obter informações que são sigilosas com o pai do delator caracterizaria uma tentativa de obstrução de justiça que é uma conduta qualificada como crime pelo lei do crime organizado”, diz.
ENTENDA
A constatação da polícia de que Braga Netto teria interferido para “embaraçar” a investigação resultou da apreensão de um documento na sede do PL (Partido Liberal) na mesa do assessor do ex-ministro da Defesa, o coronel Flávio Botelho Peregrino, no dia 8 de fevereiro de 2024 –dia da operação Tempus Veritatis sobre a suposta tentativa de golpe de Estado.
Nele, havia perguntas e respostas acerca do acordo de colaboração de Cid. Mas as interações de Braga Netto com o pai do colaborador, o general Mauro Cesar Lourena Cid, trazidas pela PF em documento (íntegra – 2,3 MB) são de agosto de 2023.
Além disso, a PF constatou que, em 7 de agosto, 4 dias antes da operação Lucas 12:2, que investigava Mauro Cid pela venda de joias, duas mensagens e uma ligação de 3 minutos e meio foram trocadas entre Lourena Cid e um contato salvo como “Walter BN” –que se refere a Walter Souza Braga Netto.
Outra conversa, de 12 de setembro daquele ano, entre Mário Fernandes, um dos “kids pretos”, grupo formado por militares do suposto plano de golpe, e o coronel reformado Jorge Kormann reforçaram o entendimento da corporação de que Braga Netto tentou acessar as informações da delação.
Fernandes teria dito a Kormann que os pais de Mauro Cid ligaram para os generais Braga Netto e Augusto Heleno, informando que “é tudo mentira”, se tratando, possivelmente, de acordo com a PF, das matérias divulgadas pela imprensa sobre o acordo de colaboração. O diálogo se deu 3 dias depois da homologação do firmamento do acordo de colaboração premiada de Mauro Cid.
PRISÃO DE BRAGA NETTO
Candidato a vice-presidente na chapa com Jair Bolsonaro (PL) em 2022, o general Braga Netto (PL) foi preso preventivamente pela PF (Polícia Federal) neste sábado (14.dez.2024). O mandado foi autorizado pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes. Sua prisão foi mantida pelo juiz auxiliar do gabinete do ministro Alexandre de Moraes, Rafael Henrique Janela Tamai Rocha, em audiência de custódia.
Braga Netto é um dos alvos da operação Contragolpe, que investiga o planejamento de uma tentativa de golpe e de homicídio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes.
Segundo a corporação, Braga Netto foi detido por tentar atrapalhar a produção de provas. O general teria atuado para obter informações sobre a delação premiada do ex-ajudante de ordens Bolsonaro Mauro Cid. Também teria financiado a execução de monitoramento de alvos e planejamento de sequestros e, possivelmente, homicídios de autoridades.
Motivos para a prisão de Braga Netto, segundo a PF:
- Teve participação “preponderante” na execução dos atos criminosos;
- Foi o financiador do golpe, logo, integrante da organização criminosa;
- Entregou o dinheiro para a execução dos atos ilícitos dos militares em uma sacola de vinhos;
- Interferiu e tentou atrapalhar as investigações;
- Tentou obter dados sigilosos do acordo de Mauro Cid com a PF;
- Realizou ligação com Lourena Cid (pai de Mauro) sobre o acordo;
- Documento com anotações sobre a delação de Cid estava na mesa do assessor de Braga Netto;
- Tentou impedir que Cid entregasse informações dos investigados à PF;
- Mantinha os integrantes do plano de golpe informados;
- Reunião que resultou na elaboração do plano golpista foi na sua casa;
- Participou “ativamente” da tentativa de pressionar a Aeronáutica e o Exército a aderirem ao golpe;
- Chefiaria o gabinete de crise a ser instaurado após a execução do golpe.
INDICIAMENTO
Braga Netto está sendo indiciado pela polícia pelos crimes de “promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”, sob pena de 3 a 8 anos de prisão.
Além disso, é indiciado pelos crimes de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito (4 a 8 anos de prisão) e tentativa de golpe de estado (4 a 12 anos de prisão).
É provável que a PGR (Procuradoria Geral da República) decida se denunciará Braga Netto, Bolsonaro e os outros 38 indiciados pela PF depois do recesso do Judiciário, que começa em 20 de dezembro e se estende até janeiro.
OPERAÇÃO CONTRAGOLPE
Investigações da PF que embasaram a operação Contragolpe miram uma organização criminosa responsável por planejar, segundo as apurações, um golpe de Estado para impedir a posse do governo eleito em 2022.
Os agentes miram os chamados “kids pretos”, grupo formado por militares das Forças Especiais, e investigam um plano de execução de Lula e Alckmin.
Ainda conforme a corporação, o grupo também planejava a prisão e execução do ministro Alexandre de Moraes. Os crimes investigados, segundo a PF, configuram, em tese, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, Golpe de Estado e organização criminosa. Ao todo, os envolvidos podem ser condenados até 28 anos de prisão.
O plano estava sendo chamado de “Punhal Verde e Amarelo” e seria executado em 15 de dezembro de 2022.
BRAGA NETTO NEGOU PARTICIPAÇÃO
Em 23 de outubro, o ex-ministro de Bolsonaro se pronunciou pela 1º vez sobre o assunto e negou que tenha participado do planejamento de tentativa de golpe de Estado e assassinatos.
Em suas redes sociais, o também ex-ministro da Casa Civil disse que “nunca se tratou de golpe, e muito menos de plano de assassinar alguém”.
“Agora parte da imprensa surge com essa tese fantasiosa e absurda de ‘golpe dentro do golpe’. Haja criatividade…”, escreveu Braga Netto.
Assim como o ex-presidente Jair Bolsonaro, Walter Braga Netto também foi declarado inelegível até 2030 por abuso de poder político, uso indevido dos meios de comunicação e conduta vedada a autoridades nas eleições presidenciais de 2022.
Em nota (íntegra – PDF – 80 kB) publicada neste sábado (14.dez), a defesa de Braga Netto disse que provará que o ex-ministro da Defesa não tentou obstruir as investigação da PF.
“A Defesa técnica do General Walter Souza Braga Netto tomou conhecimento parcial, na manhã de hoje (14/12/2024), da Pet. 13.299-STF. Registra-se que a Defesa se manifestará nos autos após ter plena ciência dos fatos que ensejaram a decisão proferida. Entretanto, com a crença na observância do devido processo legal, teremos a oportunidade de comprovar que não houve qualquer obstrução as investigações”, diz o comunicado.
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