A conclusão das negociações do acordo entre UE (União Europeia) e Mercosul, anunciada em 6 de dezembro de 2024, resultou em um texto pior do que havia sido fechado em 2019, diz o economista e sociólogo Marcos Troyjo, 58 anos.
Troyjo participou das negociações do texto anterior. Ele foi secretário de Comércio Exterior do governo de Jair Bolsonaro (PL) de 2019 a 2020. Ele foi presidente do NDB (Novo Banco de Desenvolvimento em português, o Banco dos Brics) de 2020 a 2023.
Em março de 2023, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) escolheu a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) para substituir Troyjo, que teria mandato até 2025.
Assista à entrevista (44min):
Na avaliação de Troyjo, o atual governo “foi ingênuo” ao fazer concessões na área ambiental. Ganhou em troca a proteção a fornecedores locais para compras governamentais.
Troyjo também diz que é negativa a proteção aos fornecedores locais. Pela proposta anterior, avalia, os governos do Mercosul poderiam comprar produtos mais baratos.
Os fabricantes de produtos industriais do Mercosul poderiam participar de licitações na Europa. Precisariam se esforçar para ter maior competitividade, o que, diz Troyjo, também seria positivo.
O ex-presidente do Banco dos Brics avalia que o novo governo de Donald Trump nos EUA será economicamente favorável ao Brasil.
Abaixo trechos sobre o acordo UE-Mercosul na entrevista.
- acordo de 2019 – “No final de junho de 2019, nós concluímos um acordo abrangente, moderno, bem calçado do ponto de vista do meio ambiente, de cláusula democrática. [Em outubro de 2019] houve algo ruim para o andamento desse processo: a eleição do Alberto Fernández na Argentina. [Ele disse] que o acordo [acabaria]com indústria. Isso deu oportunidade para aqueles que na Europa eram contrários ao acordo, caso da França, da Polônia. Teve todo o período [da pandemia]. Depois, as eleições no Brasil. Muito dos franceses críticos da administração do presidente Bolsonaro encontraram uma oportunidade de reabrir as negociações”;
- compras governamentais – “O atual governo brasileiro foi ingênuo. Acabou dando montaria para os europeus conseguirem novas versões do capítulo sobre meio ambiente em troca de o Brasil pedir uma coisa em troca, tirar as compras governamentais da versão do acordo final, o que é muito ruim. [A versão anterior] aumentava a capacidade do Brasil participar de concorrências de compras governamentais de outros países.[Resultaria no Brasil em] maior de transparência, competição, preços melhores”;
- OMC e OCDE – [O então ministro da Economia] Paulo Guedes era bastante claro: vamos inserir competitivamente a economia brasileira nessa parte de compras governamentais pelo acordo UE-Mercosul. [O Brasil] passa a integrar o acordo de compras governamentais da Organização Mundial do Comércio [OMC] e adianta a agenda para se tornar membro pleno da OCDE [Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico]. [O novo governo] tirou compras governamentais do acordo UE-Mercosul, saiu do acordo da OMC e praticamente abandonou a caminhada em direção a OCDE. Estamos meio que à margem daquilo que parece ser uma tônica de economias de sucesso”;
- impulso pela eleição de Trump – “Houve o anúncio de um texto que é menos ambicioso, menos abrangente. E muito disso se tornou possível por conta da chegada de um novo fator no tabuleiro que foi o fato de [Donald] Trump ter ganhado as eleições de novembro nos EUA. Os europeus estão querendo ganhar musculatura para diálogos difíceis que vão acontecer a partir de janeiro. Isso ofereceu um estímulo adicional à conclusão das negociações”;
- exigências ambientais – “O capítulo ambiental estava resolvido em 2019. Tínhamos todas as garantias, por exemplo, de que os participantes do acordo teriam de observar aquele conjunto de ideias e compromissos que fazem parte do chamado Acordo de Paris. Não podemos ter nenhuma inocência, ingenuidade em relação a isso. Muitos dos europeus utilizam o discurso ambiental como uma máscara atrás da qual estão interesses pesados de reserva de mercado e de subsídios que são caríssimos”;
- chances de aprovação – “Eu acho que são chances reais porque a UE hoje enfrenta uma competição feroz no Sudeste Asiático. Provavelmente vem uma época de mais dificuldade nos interesses europeus junto aos EUA. Então faz sentido ganhar escala se associando com uma região que tem 250 milhões de habitantes, como o Mercosul. Tem muita complementariedade. Mas outra coisa bacana que tem nesses acordos é que são um grande fomentador de investimentos. Eu acho que isso é bom para todo o mundo. Torço para que tudo aconteça de maneira muito rápida. [Caso haja] uma escalada protecionista a partir da economia norte-americana e da economia chinesa, eu acho que os europeus vão ter menos resistência. [Mas] se eles veem canais alternativos e uma nova fase de globalização em que os interesses deles possam ser remunerados, aí eu acho que muitos dos países, como é o caso da França, Polônia, Áustria, vão ficar em pé e vão criar dificuldades”.
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