Kamala ou Trump: em quais áreas eleições nos EUA impactarão o Brasil

O resultado das eleições presidenciais dos Estados Unidos terá impactos diretos no Brasil de acordo com quem sair vencedor. Setores da economia e temas ligados ao meio ambiente, por exemplo, deverão ser tratados de formas distintas pela vice-presidente Kamala Harris (Partido Democrata) ou pelo ex-presidente Donald Trump (Partido Republicano). Já a pressão para reduzir a influência da China deverá permanecer independentemente do vencedor.

A eleição será encerrada nesta 3ª feira (5.nov.2024), o chamado Election Day. Diversos Estados já iniciaram o processo ao permitirem o voto antecipado por correio ou pelo depósito de cédulas em locais pré-determinados. Cerca de 80 milhões de eleitores já votaram dessa forma.

Um dia antes da eleição presidencial nos Estados Unidos, Kamala e Trump estavam tecnicamente empatados em 7 swing States (ou Estados-pêndulo em português), aqueles em que não há uma preferência definida e vão decidir o pleito. Para ser eleito, é preciso ao menos 270 delegados dos 538 em disputa.

A declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a favor de Kamala explicitou a preferência do petista e indica que poderá haver maiores convergências entre os 2 caso ela seja eleita, especialmente em temas ligados a direitos humanos, políticas sociais e meio ambiente. Em entrevista à emissora francesa de televisão TF1, na 6ª feira (1º.nov.2024), o presidente disse que uma vitória da democrata é mais seguro para a democracia.

“Eu não posso dar palpite sobre as eleições de outros países porque seria uma ingerência indevida. Eu sou amante da democracia […] A democracia, para mim, é o espelho fiel de um sistema político que permite os contrários, permite os antagônicos, a disputa civilizada entre a humanidade na discussão de ideias. Então, eu acho que a Kamala Harris ganhando as eleições é muito mais seguro de a gente fortalecer a democracia nos Estados Unidos”, disse.

Mesmo a eleição de Kamala, porém, não significa necessariamente uma vitória política para Lula. Isso porque ela é vice de Joe Biden, que foi quem o Partido Democrata indicou inicialmente para concorrer à reeleição. Lula já havia endossado sua candidatura.

Episódios de confusão mental e falta de vigor físico, porém, forçaram o presidente norte-americano a abrir mão da disputa. A decisão se deu em julho. Trump passou, então, a ser o candidato mais velho da história norte-americana, com 78 anos.

Na época, comparações foram feitas entre Biden e Lula –que terá 80 anos em 2026, quando poderá disputar a reeleição. Biden tem 81 anos. O cenário sucessório norte-americano servirá de parâmetro (ainda que parcial) para a disputa presidencial brasileira daqui a 2 anos. Nos últimos anos, a política brasileira tem emulado os cenários da norte-americana –mas com atraso de 2 anos. Dessa forma, a idade de Lula também entrou no radar e passou a ser discutida até mesmo por aliados.

Em julho, ao ser questionado sobre se tem medo de sofrer etarismo como Biden, Lula negou tal receio, mas já indicou em outros momentos que sua saúde física e mental serão fatores fundamentais a serem levados em conta para definir se ele tentará a reeleição.

Uma eventual vitória de Trump terá reflexos no espectro político de direita no Brasil, especialmente dentre os bolsonaristas. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) declarou apoio ao republicano ao dizer que sua eventual volta ao poder é “a certeza de um mundo melhor”. Trump comandou o país de janeiro de 2017 a janeiro de 2021.

Aliados do ex-presidente brasileiro avaliam que a volta do trumpismo à Casa Branca pode dar força a expoentes da direita no Brasil para as eleições de 2026. Bolsonaro segue inelegível até 2030, mas, se o cenário não mudar, poderá ter mais força para ajudar a eleger um indicado seu.

“A direita aqui no Brasil se saiu bem nas eleições municipais. […] A política é feita de ciclos, mas, nesse momento, parece que o pêndulo está jogando para a direita, para a extrema-direita, a ultra direita. E o Trump reforça essa percepção”, disse ao Poder360 André César, cientista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa.

Brasil e Estados Unidos completaram neste ano seu 200º aniversário de relações diplomáticas. Embora tenham convergência política, a boa relação de Lula e Biden rendeu, na prática, poucos frutos.

POLÍTICA EXTERNA

Tanto com Kamala quanto com Trump, os Estados Unidos continuarão a divergir do Brasil em assuntos prementes para Lula. Os 2 países têm posições antagônicas em relação às guerras na Ucrânia e em Gaza e aos ataques de Israel ao Líbano. Os norte-americanos apoiam os ucranianos e os israelenses com dinheiro e armamentos.

Lula, por sua vez, comparou a operação militar de Israel em Gaza com o extermínio de judeus realizado por Adolf Hitler na Alemanha nazista e repetiu em diversos momentos que os palestinos estão sendo alvo de genocídio. Foi declarado persona non grata pelo governo de Benjamin Netanyahu.

O petista também tem tentado liderar uma frente de países que possam negociar com a Rússia e com a Ucrânia para encerrar o conflito no Leste Europeu. Mas a proximidade de Lula com o presidente russo Vladimir Putin e com a China de Xi Jinping dificulta a improvável adesão dos norte-americanos e a adesão de outros países mais alinhados a eles.

Os Estados Unidos são contrários a uma maior aproximação do Brasil com a China, principal parceiro comercial do país. As avaliações do governo Lula sobre aderir à chamada Nova Rota da Seda, maior projeto de investimentos chineses no exterior, levou a representante de Comércio dos Estados Unidos, Katherine Tai, a dizer que o Planalto deveria considerar os riscos existentes de um possível acordo.

A declaração teve reação imediata da Embaixada da China em Brasília que, em nota, disse que “tal ato carece de respeito ao Brasil, um país soberano, e despreza o fato de que a cooperação sino-brasileira é igualitária e mutuamente benéfica”.

Não há consenso no governo brasileiro, porém, sobre a adesão ao projeto chinês. Uma das avaliações feitas por diplomatas é que de que o país pode continuar construindo projetos e oferecendo oportunidades de investimento ao país asiático sem necessariamente ter que aderir à nova Rota da Seda. Seria uma solução para evitar um maior alinhamento a Pequim no momento em que a disputa global entre norte-americanos e chineses cresce.

Ainda no plano exterior, o Brasil não deve ser prioridade nem para Kamala nem para Trump, embora a relação com a democrata deva ser melhor nos fóruns mundiais.

COMÉRCIO BILATERAL E ECONOMIA

Durante a campanha, Trump defendeu o aumento de tarifas protecionistas para barrar a importação, especialmente da China (com quem os norte-americanos travam uma guerra comercial), para estimular a produção doméstica e, por consequência, a economia norte-americana.

O ex-presidente mencionou a adoção de tarifas “automáticas” de 10% a 20% sobre todos os parceiros comerciais dos Estados Unidos, e impostos de 60% sobre produtos chineses. O país é o 2º maior parceiro comercial do Brasil, ficando apenas atrás da China.

Biden também adotou a mesma postura e elevou em maio as tarifas contra produtos chineses de tecnologia, como veículos elétricos, semicondutores, baterias, células solares, aço e alumínio. A estratégia de Trump tende a provocar conflitos econômicos em todo o mundo por interferir na cadeia de comércio global, o que elevaria os preços no mercado mundial.

É incerto se Kamala manterá a mesma política de Biden. Mas para o professor de Ciência Política do Centro Universitário UDF André Rosa, há uma chance de melhorar as exportações brasileiras com a democrata.

“Posso destacar como petróleo bruto, ferro, aço, café e celulose os itens que podem melhorar na importação dos Estados Unidos. Obviamente que a gente não consegue fazer um prognóstico de tudo o que vai acontecer, até porque é empiricamente inviável, mas por ter um alinhamento ideológico maior, abre uma via maior de cooperação internacional para negociação dessas commodities”, disse.

O republicano também já ameaçou retaliar quem trocar o dólar pela moeda chinesa, o yuan, em transações comerciais. Uma das principais bandeiras de Lula junto ao Brics (bloco inicialmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) é justamente expandir as trocas comerciais nas moedas locais dos países do grupo e, na prática, driblar o dólar. A ideia interessa principalmente à Rússia, que sofre sanções dos Estados Unidos, e à China.

Já as políticas sociais prometidas por Kamala podem levar a um aquecimento da economia norte-americana, o que poderia aumentar a inflação e consequentemente elevar a taxa de juros. Esse cenário estimularia maiores investimentos externos nos Estados Unidos, levando ao fortalecimento do dólar.

MEIO AMBIENTE

Uma eventual vitória de Kamala tende a ser melhor para o Brasil, que sediará a COP30 em Belém (PA) em 2025. A democrata deve manter os Estados Unidos nos acordos internacionais, como o Acordo de Paris, do qual Trump saiu em 2017 por considerar que os termos não eram justos para os norte-americanos. Os Estados Unidos voltaram ao tratado quando Biden assumiu o governo, em 2021.

Caso o republicano seja eleito, poderá repetir o ato. Também pode boicotar o encontro climático que será realizado no Brasil, que poderia ficar esvaziado sem a presença dos Estados Unidos. Além disso, Trump já negou diversas vezes alguns consensos climáticos, como os efeitos do aquecimento global.

“Nesse sentido, um cenário Kamala mantém as políticas de Biden, dos democratas, políticas com relação à questão ambiental que são cada vez mais cruciais. Veja a Espanha, o que aconteceu agora, a gente está vendo isso, que é dramático o quadro geral. Então vai ser muito importante para o Brasil a manutenção das políticas do governo Biden que são o absolutíssimo contrário das políticas de Trump”, disse André César, cientista político e sócio da Hold Assessoria Legislativa.

Um dos pontos de convergência, porém, seria a destinação de recursos para o Fundo Amazônia. Em fevereiro de 2023, durante visita oficial de Lula a Washington, Biden anunciou US$ 50 milhões como contribuição para o fundo. O valor foi considerado irrisório e frustrou as expectativas brasileiras. Desde então, outros montantes foram anunciados, mas apenas em julho de 2024 Biden oficializou o repasse de US$ 47 milhões.


Esta reportagem foi produzida pela repórter Mariana Haubert e pela estagiária Laís Nogueira sob supervisão do editor Victor Schneider.

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