Lula tem guinada “conservadora” em discursos com religião e família

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retomou o uso de expressões relacionadas à religião ou a pautas conservadoras na última semana. O petista havia feito um hiato nas menções do tipo logo que fortes enchentes atingiram o Rio Grande do Sul a partir do final de abril. A estratégia é uma tentativa de se aproximar do eleitorado evangélico que, em grande parte, se alinhou nos últimos anos ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Na 6ª feira (21.jun.2024), Lula se declarou cristão e disse que a família é a “base elementar da construção de uma sociedade democrática” ao comentar sobre decisão do Congresso que proibiu as saidinhas temporárias de presos para visitar familiares. O presidente havia vetado um projeto sobre o tema, mas seu veto foi derrubado.

“Nós que somos cristãos defendemos tanto a família, como é que a gente tenta evitar que a família atenda uma pessoa que está necessitando da família? […] Como eu sou um cidadão democrático, cristão e tenho uma família maravilhosa –eu tenho 5 filhos, 8 netos, uma bisneta– contra a vontade da minha bancada que era contra eu vetar, eu falei ‘eu vou vetar por uma questão de princípio’. Quando eu morrer, o que vai ficar na minha biografia são as atitudes que eu tive neste país”, disse em entrevista à rádio Mirante News, de São Luís (MA).

Em 19 de junho, Lula disse que artistas, novelas e cinema não são para “ensinar putaria”, e, sim, “cultura”.

“É para contar história, é para contar narrativas, e não para dizer que nós queremos as crianças nas coisas erradas. Não, nós só queremos fazer aquilo que se chama arte. Quem não quiser entender o que é arte, dane-se”, disse em discurso durante ato em homenagem ao Dia do Cinema Brasileiro, realizado no Rio.

Mesmo que no contexto a frase de Lula tivesse a intenção de defender os artistas nacionais, as palavras utilizadas pelo petista se assemelham a declarações de Bolsonaro quando criticava produções e artistas do país.

Assista (2min2s):

Já em 17 de junho, o petista defendeu que o governo deveria criar um “estatuto de bom comportamento” para homens. Deu a declaração durante a cerimônia de sanção do PL (projeto de lei) 501 de 2019, que trata da elaboração e da implementação “de plano de metas para o enfrentamento integrado da violência contra a mulher e da rede de atendimento à mulher em situação de violência”.

“Nós precisamos pensar em fazer um estatuto de bom comportamento do homem. Porque imaginar que uma mulher, depois de uma jornada de trabalho, não tenha vontade de voltar para casa porque lá vai encontrar um marido que é agressor e que pode bater nela por qualquer coisa, ou até mesmo quando não tiver nenhuma coisa”, disse o petista.

As declarações citadas foram dadas por Lula em eventos nos Estados e em entrevistas a rádios locais, consideradas pela Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência) como mais efetivas para se chegar à ponta, ou seja, diretamente às pessoas.

Ao viajar para a Itália para a cúpula do G7, Lula se reuniu com o papa Francisco, em 14 de junho, e convidou o pontífice a participar de uma campanha conjunta para “tornar o mundo mais humano”.

“Desigualdade de raça, desigualdade de gênero, desigualdade na educação, desigualdade na saúde… Eu quero ver se a gente faz uma campanha para tornar o mundo mais humano”, declarou o presidente. O papa respondeu: “Você pode fazer isso”.

Assista (1min5s):

Até na área ambiental, uma das principais bandeiras de seu 3º mandato, o petista está dando sinais mais “conservadores”.

A exploração de petróleo na Margem Equatorial, na costa Norte do Brasil, que antes era uma possibilidade condicionada a uma liberação ambiental, agora ficou explícita com frases mais contundentes, como a de que o Brasil não deixará de aproveitar uma chance de se desenvolver. “Nós vamos estudar o nosso pré-sal na Margem Equatorial. Pode ficar certo que nós vamos explorar”, disse Lula em entrevista à Mirante News.

A mudança de tom do presidente se dá em um momento em que evangélicos entraram em rota de colisão com o governo por causa da discussão do projeto de lei 1.904 de 2024, que equipara o aborto acima de 22 semanas de gestação ao crime de homicídio.

Deputados conservadores têm defendido a aprovação da proposta, mas diversos integrantes do governo rechaçaram o texto. Lula o classificou como uma “insanidade” e instou sua base de apoio no Congresso a se posicionar contra o projeto. Disse, porém, ser contrário à interrupção da gravidez.

“Nós temos que enfrentar esse debate. Eu tenho dito para a bancada que defende o governo que não pode ficar receoso. Nós temos que debater, temos que ter coragem de discutir e divergir”, disse também em entrevista à Mirante News, na 6ª feira.

A divergência entre o petista e os conservadores no caso é um exemplo da dificuldade que Lula vem tendo desde o início de seu governo para estabelecer um diálogo com líderes evangélicos, especialmente aqueles ligados às igrejas neopentecostais.

Pesquisa PoderData de 29 de maio mostrou que Lula tem suas piores taxas de aprovação entre evangélicos desde a posse. Dentre os eleitores que se identificam como católicos, 55% declaram “aprovar” o governo. A taxa recuou 7 pontos percentuais desde quando o petista assumiu o Planalto, em janeiro de 2023.

O percentual dos católicos que desaprovam o governo Lula é hoje de 37%. No início do mandato era de 31%.

O cenário no eleitorado que se considera evangélico é mais negativo para o atual presidente, mas as curvas da trajetória desde a posse não mostram grandes variações.

Nesse estrato específico, 61% dos entrevistados dizem “desaprovar” o governo. Eram 56% em janeiro de 2023. A aprovação nesse grupo somava 31% no início do mandato petista. Agora, está em 27%.

Diante do cenário ruim, o governo tenta recuperar espaço. A estratégia de Lula de fazer referências religiosas em seus discursos foi adotada no início do ano.

Em março, o presidente disse que escola é um “lugar sagrado” para os pais e para o país, e que as instituições de ensino são um “espaço de comunhão” para os estudantes. A declaração foi feita em cerimônia no Palácio do Planalto do programa Pé-de-Meia (de bolsa de incentivo aos estudantes do Ensino Médio), do Ministério da Educação.

Na época, Lula intensificou o uso de palavras com referências religiosas. Um de seus discursos mais emblemáticos nesse sentido se deu durante visita ao município de Arcoverde (PE) no início de abril. O petista citou as palavras “Deus” e “milagre” mais de uma vez, em média, a cada minuto. Repetiu também as palavras “crença”, “fé” e “homem lá de cima”. Assista (1min3s):

O uso da retórica voltada aos evangélicos se deu no mesmo momento em que o governo lançou a campanha publicitária “Fé no Brasil”. Embora o governo tenha negado a intenção de relacioná-la ao público religioso ou de desenvolver ações específicas, integrantes do Planalto admitiram que o uso da palavra “fé” foi proposital.

A campanha e a escalada das menções, porém, foram interrompidas pelas fortes enchentes que destruíram centenas de cidades no Rio Grande do Sul no fim de abril e no início de maio. Na época, o governo federal suspendeu a publicidade e a substituiu por ações de solidariedade ao povo gaúcho.

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